Realidade e fantasia

Ilustração de "Para Onde Vamos", de Jairo Buitrago e Rafael Yockteng
Ilustração de “Para Onde Vamos”, de Jairo Buitrago e Rafael Yockteng

PARA ONDE VAMOS
Jairo Buitrago e Rafael Yockteng. Tradução de Márcia Leite.
Pulo do Gato, 56 páginas
A realidade de milhares de crianças e famílias vindas do México e da América Central atravessando a fronteira com os Estados Unidos é o cenário dessa história. O assunto é abordado com simplicidade, sem ser superficial. A história é narrada do ponto de vista da criança que viaja com o pai. Seu olhar e suas impressões revelam um ambiente cheio de coisas inexplicáveis, que ela “conta” numérica e metaforicamente. Conta os pássaros no Céu e também as pessoas que vivem ao lado dos trens; conta poucos amigos e quase nenhuma resposta precisa sobre seu destino. Da travessia, não se subtraem momentos de contemplação e até diversão: há sempre muitas estrelas no Céu e a surpresa de ganhar dois coelhos brancos. Dentre os animais que acompanham a longa viagem está o coiote. Retratado nas ilustrações como um cachorro grande, sempre ao lado das pessoas, é uma menção aos “coiotes”, como são chamados os que ajudam, de maneira ilegal, a travessia nas fronteiras.

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JACARÉ, NÃO!
Antonio Prata. Ilustrações de Talita Hoffmann. Ubu, 48 páginas
A estreia infantil da Ubu editora não poderia ser, literalmente, mais feliz. O humor gostoso de Antonio Prata ganhou ilustrações psicodélicas, em um projeto gráfico que abusa das cores fortes e faz excelente proveito das páginas duplas. O resultado é um livro bonito e divertido, que certamente vai agradar muito os pequenos. O aviso na página de rosto é um convite: pode-se incluir o nome de qualquer criança no lugar da personagem principal e alterar livremente os detalhes. De fato, muitas crianças vão se identificar com Luiza, uma menina que dorme, come, toma banho, vai à escola, brinca e tem como companheiro fiel, nas situações mais inusitadas, um jacaré. A narrativa é encadeada pela repetição de um refrão, ao qual sempre se acrescenta uma nova frase exclamativa indicando, com graça, a presença deslocada do jacaré. Isso permite que as crianças, ao mesmo tempo, antecipem e se surpreendam com o que virá.

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LETRAS DE CARVÃO
Irene Vasco. Ilustrações de Juan Palomino. Tradução de Márcia Leite. Pulo do Gato, 36 páginas
A história se passa em Palenque, sinônimo de quilombo, e é inspirada em casos reais que a autora recolheu junto às mães e bibliotecárias comunitárias de povoados longínquos na Colômbia, seu país de origem. Trata-se de uma homenagem aos episódios de resistência vitoriosa. A personagem principal, uma menina negra, não possui nome e poderia viver na periferia de qualquer grande metrópole latino-americana, a quem foi negado
o acesso à escola. No enredo, as letras de carvão gravam no chão a brincadeira da menina que deseja aprender a ler para ajudar a irmã a decifrar uma carta de amor. Em troca do ensino informal, uma ajuda na mercearia do povoado. No Natal, um livro de contos. Desde então, a leitura a acompanha. Quando adulta, observa orgulhosa o filho em suas tarefas escolares e decide contar-lhe a história das letras de carvão. As ilustrações coloridas de Palomino destacam expressões das personagens, todas elas negras, sem os estereótipos, ainda muito presentes em livros destinados ao público infantil.

*Cristiane Tavares é mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC de São Paulo 


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