Cafeína ajuda a proteger o cérebro adulto do estresse

Foto: Ingimage
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Quer melhorar a sua memória? Lembre-se de tomar um cafezinho. A cafeína, principal substância ativa da bebida, apresenta efeitos protetores das células nervosas do cérebro de indivíduos sob estresse. O que é curioso é que o benefício só vale para adultos. Se for consumida em dose elevada na gestação, está sob suspeita de interferir negativamente no desenvolvimento cerebral do bebê e de elevar os riscos de doenças como a epilepsia. A conclusão, divulgada no começo do mês durante o  Congresso Mundial do Cérebro, realizado no começo do mês no Rio de Janeiro, é de um grupo de especialistas europeus que há mais de quinze anos estuda o potencial da cafeína no combate à depressão. 

Testes com animais 
O time de pesquisadores, que teve a colaboração de especialistas do Brasil, submeteu dois grupos de camundongos a situações estressantes por três semanas. Duas semanas antes do início do experimento, apenas um grupo recebeu doses de cafeína dissolvida em água. As análises laboratoriais mostraram que a concentração da substância na corrente sanguínea desses animais era equivalente a de um humano adulto que consome entre duas e três xícaras de café por dia. 

Para simular o nível de estresse que favorece o aparecimento da depressão, os animais foram expostos à privação de comida em alguns períodos, banhos de água fria e pequenos choques nas patas. “Como o animal não pode dizer se está ou não deprimido, avaliamos seu comportamento com testes já bem padronizados”, contou à Agência Fapesp o coordenador do trabalho, Rodrigo Cunha, da Universidade de Coimbra, em Portugal. Um dos testes consistiu em obrigar o animal a nadar por alguns minutos. Em condições normais, o roedor tenta escapar da água a todo custo. Um camundongo deprimido, porém, costuma desistir rapidamente e começa a boiar. “É como se esperasse que a vida resolva o problema”, comentou Cunha. Roedores deprimidos também demonstram menos interesse em alcançar uma bebida açucarada, déficit de memória e se tornam mais retraídos em grupo. “A capacidade de se adaptar rapidamente parece perdida nos animais deprimidos”, contou Cunha.  

Os pesquisadores observaram que o grupo tratado com cafeína apresentou uma quantidade significativamente menor de sintomas depressivos em relação ao grupo controle, composto por ratos que não tomaram cafeína. O passo seguinte foi caracterizar os caminhos percorridos pela cafeína no organismo dos animais. Em adultos, ela se conecta com um receptor (uma espécie de porta de entrada dessa célula) abundante nos neurônios, bloqueando as mudanças químicas que relacionadas com a depressão e que podem causar hiperirritabilidade.  Os resultados mais recentes da pesquisa foram divulgados em maio na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Efeito na gestação 
Outro trabalho, feito por pesquisadores do Institut de Neurosciences des Systèmes (INS), ligado à Aix-Marseille Université da França, avaliou os efeitos da cafeína durante a gestação e a lactação em camundongos. “Observamos que a cafeína causa um atraso na migração para o hipocampo (relacionado com a memória e percepção espacial) de um grupo específico de neurônios. Eles atingem o alvo, mas com um atraso de vários dias. Isso atrapalha o processo de construção do cérebro e causa um desequilíbrio”, contou Christophe Bernard, do INS, à Agência Fapesp. Os resultados de Bernard foram publicados em 2013 na revista Science Translational Medicine.  

O efeito foi observado tanto na análise do tecido cerebral de camundongos quanto de macacos, que apresentam maior semelhança com os humanos. O grupo francês também avaliou se o mesmo atraso ocorre na migração neuronal em filhotes e, posteriormente, nos camundongos adultos. “Em decorrência do desequilíbrio causado pelo atraso dos neurônios, os filhotes se tornaram mais susceptíveis a sofrer de epilepsia e a apresentar convulsões febris. Além disso, apresentam um limite menor de tolerância ao aumento da temperatura corporal cerca de 1,5 graus Celsius”, contou Bernard. 

Limite de segurança
Segundo um relatório do comitê científico da European Food Safety Authority (EFSA), publicado em maio, o limite supostamente seguro de cafeína para mulheres grávidas ou lactantes seria de 200 mg ao dia (cerca de duas xícaras de café). Entretanto, mais estudos são necessários para avaliar se esse é mesmo o patamar adequado.
O pesquisador  Bernard defende ainda que os pediatras investiguem o consumo de cafeína da mãe durante a gestação quando atenderem crianças com crises convulsiva em hospitais. “Dessa forma, poderíamos ver se há também em humanos uma correlação entre consumo de cafeína e aumento na probabilidade de ter epilepsia”, diz o cientista.


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