Mais uma vez constatamos o quanto os espetáculos de Shakespeare são atuais. E, particularmente, é muito interessante o exercício de traçar paralelos entre o teatro do bardo e a política do Brasil. A Tempestade, por exemplo, sabemos, é aqui! A ilha de Próspero é aqui!
E os paralelos que podemos identificar entre os personagens fantasiosos desse espetáculo dirigido por Gabriel Villela e os reais, de Brasília, impressionam, eis que incrivelmente semelhantes, parecendo, aliás, que estes inspiraram aqueles…
O que significa dizer que Shakespeare vislumbrou personagens que têm a essência do ser humano de qualquer tempo e de qualquer lugar. Mas, atualmente, parecem ter sido pinçados da “velha” Brasília de 2015.
Nessa peça de Shakespeare, todas as tramas acontecem na ilha em que Próspero – um ex-duque de Milão banido (ou impedido!) de sua terra – tenta reconstruir seu poder, no mínimo, reconduzindo ao poder sua filha. Para tanto, recursos como mentira, fantasias e conspirações são usados para impor seu poder sobre seus afetos e desafetos, que chegam até a ilha através de poderes “espirituais” de seu devotado Ariel. No espetáculo, tudo é contado por meio de metáforas cênicas e transposições da cultura popular brasileira, convertendo a peça, provavelmente a última de Shakespeare, em uma atualíssima versão para muito daquilo que tem acontecido no Brasil dos últimos meses.
À parte disso, vemos em cena um dos mais belos espetáculos dos últimos anos. Produção realmente impecável, impecável e impecável. Cenografias, figurinos e iluminação, extraordinárias, compondo-se e contrapondo-se esteticamente de forma primorosa, maravilhosamente delicada. Além das sonoridades, trilhas e canções, todas mágicas, envolvendo o drama shakespeariano na mais lúdica brasilidade de seu cancioneiro popular. E tudo isso sem tirar o olhar, nem por um instante, da história sendo contada, cantada e tocada.
Notável a interpretação de Celso Frateschi como Próspero, tocando sua flauta mágica e, ironicamente, fazendo seu discurso e sua ode à renúncia… E também brilhantes as atuações do genial Dagoberto Feliz como Trínculo, de Hélio Cícero como Caliban e de Chico Carvalho como Ariel, que se destacam justamente pela harmoniosa integração com os demais.
Espetáculo de fato deslumbrante, A Tempestade, provavelmente, é o melhor trabalho de Gabriel Villela, desde O Concílio do Amor, sua obra-prima, e que lhe rendeu o Prêmio Shell em 1989. E por isso, por ser imperdível, o recomendamos.
*Evaristo Martins de Azevedo é crítico de arte, membro da comissão de teatro e conselheiro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), e jurado do Prêmio Shell de Teatro.
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