Tim Burton, o artista plástico

As galerias do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) estão – desde 22 de novembro, até o próximo 26 de abril – exibindo enormes quantidades de personagens bizarros. Hordas com cabeleiras de talho assimétrico, faces pálidas, olheiras – verdadeiras ou forjadas à base de tintas -, trajes negros rasgados à gilete e ornados com alfinetes de segurança, ganchos e objetos metálicos cortantes. E isso, falando apenas do público.

As obras de arte da exibição que atrai essa gente são ainda mais góticas, grotescas e engraçadas. Estão todos ali – audiência, desenhos, pinturas, esculturas e curtas-metragens – prestando tributo a seu criador: o cineasta, escritor e artista plástico americano Tim Burton. A mostra leva seu nome e reúne mais de 700 desenhos e fotos – 550 deles da coleção particular do artista e nunca exibidos aos fãs. Um passeio pelas galerias lotadas dá a impressão de que as figuras se materializaram no público, chamado “emo”. O que não deixa de ser mais interativo e interessante.
[nggallery id=15253]

Assim, por exemplo, é possível comparar os esboços iniciais que inspiraram o personagem principal do filme Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands) com a cópia acabada, incorporada por um jovem de 19 anos. Tem-se a impressão de alguém se olhando no espelho. Mas que ninguém se perca nesse labirinto de miragens e clima de parque temático, pois as obras de Burton merecem atenção plena. Mostram a evolução do artista de 52 anos, filho de uma conturbada família californiana. Do jovem desenhista que labutou nas galés dos Estúdios Disney até agarrar uma câmara de filmagem e dar movimento a suas fantasias. E elas são perturbadoras, mas ternas. Autorretratos mórbidos de um nerd solitário, sensível e genial, mas que se imagina disforme, ridículo e excêntrico aos olhos do mundo.

As provas dessa autoflagelação estão por toda parte. Por exemplo, nos desenhos do personagem Toxic Boy(Garoto Tóxico), cujos vapores nocivos fazem cair a barba do Papail Noel. Não há Natal encantado no universo de Burton. Note-se a profusão de esqueletos, zumbis e monstrinhos do filme O Estranho Mundo de Jack (bonecos das criaturas espectrais desse clássico do desenho animado estão à venda na lojinha do MoMA).

É a distopia fúnebre elevada ao sucesso comercial. E sua inspiração vem do berço do artista. Em entrevista, Tim resumiu a casa dos Burton: “Você leu O Inferno de Dante? Então… Era aquilo!”. O poeta italiano disse que na porta do inferno uma placa recomendava, àqueles que ali entrassem, deixar para trás todas as esperanças. O cineasta e artista não cumpriu a escrita e usou o humor como guia pelos canais infernais, assim como Dante guiou-se por Virgílio. Ajudaram na navegação também os desenhistas expressionistas Ralph Steadman (o inglês que ilustrava textos do jornalista gonzo Hunter S. Thompson), Edward Gorey (ilustrador americano de Drácula e A Guerra dos Mundos), entre outros. É o que se vê em obras como Untitled (Trick or Treat), de 1980, em que o jogo com luzes e perspectivas dão ênfase aos contornos de uma sala de pesadelo. Ou no esboço do personagem marciano do filme Marte Ataca (1995), em que a monstruosidade e a maldade da criatura são subvertidas pela característica caricata.

A razão de ser do MoMA é expor os estilos de arte desenvolvidos entre o último quarto do século XIX até o final do século XX. Assim, seria de se estranhar que a instituição abrisse suas portas e oferecesse paredes para peças góticas e vitorianas (estas últimas remontando aos anos 1830). A não ser que essas tendências tenham sido fundidas com as colas do grotesco expressionista e do pop. É o que faz de Tim Burton artista digno de mostra. Pelo menos nas explicações de Ron Magliozzi, que junto com Jenny He e Rajendra Roy (curadores do Departamento de Filmes do Museu) organizaram a exibição. São argumentos válidos, mas, diga-se, não convincentes para muitos.

Tim Burton, a mostra, é sucesso de bilheteria, mas fracasso de crítica. Pegue-se apenas Ken Johnson, resenhista do prestigiado The New York Times. Ele sustenta que, sem as performances de “musos” do cineasta – Johnny Depp (Edward Mãos de Tesoura, O Cavaleiro Sem Cabeça, e o mais recente Alice no País das Maravilhas), Michael Keaton (Os Fantasmas se Divertem e Batman) e Paul Reubens (A Grande Aventura de Pee-wee) -, a “patologia edipiana” de Burton não é suficiente. Ou seja, ele é um grande cineasta, mas carece de estofo como artista plástico.

Este crítico da Brasileiros – e, claro, o enorme público da mostra – não concordam com essa avaliação. O apelo visual dos filmes de Burton é filho legítimo dos desenhos, que já têm o DNA da excitação fornecida pelas telas. Johnny Depp apropriou-se, por exemplo, de Edward Mãos de Tesoura, a ponto de transformar a criatura, levada ao cinema em 1990, em tesouro pessoal. Mas os esboços originais de Edward têm vida própria e surgiram da cabeça e ponta de lápis de Burton. Mais: esse personagem vive em um universo com cenários independentemente espetaculares. Johnny Depp apenas postou-se nesse mundo. Não os criou.

Somam-se a isso, os desenhos que nunca entraram no cinema. Estavam trancafiados no sótão da casa do artista, em Londres. A imagem do solitário mini-herói no desenho The World of Stainboy (2000) é obra genial, e jamais teria saído do frio londrino, não fosse essa mostra Tim Burton, que merece plenamente ser vista. A romaria de “emos” que peregrinam ao MoMA é demonstração viva de que as obras de Burton extrapolam as telas.


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.