Desde o fenômeno da bossa nova e a explosão mundial de Garota de Ipanema, nos anos 1960, o Brasil tornou-se destino inesgotável para músicos e ouvintes, cuja curiosidade incita incursões fora das linguagens musicais habituais. Tim Maia, carioca fissurado no som norte-americano, desde a infância interpretava Ray Charles e Little Richard (sua versão de Long Tall Sally era notória na época em que entregava marmitas para os pais e era conhecido por “Tião das Marmitas”), inspirou a última empreitada de David Byrne (vocalista do Talking Heads, entre outras distinções) e sua gravadora, Luaka Bop, com a música brasileira.
Com seu 1,70 m de altura (sem contar o cabelo), e tantos mais de caixa torácica despejando sentimento, Tim encarnou excessos do rock’and’roll e sintetizou para o brasileiro a chamada soul-music. O LP duplo, Nobody Can Live Forever – The Existential Soul of Tim Maia, quarto volume da série World Psychedelic Classics, armazena faixas compostas em inglês e português pelo nosso samba-soulman, durante os anos 1970.
O vinil duplo chega ao mercado americano no dia 2 de outubro, após uma década de árduo imbróglio jurídico.
Quando morreu, aos 55 anos, em 1998, Tim deixou cerca de cem processos judiciais em andamento. Muitos deles envolviam conflitos sobre os direitos autorais de sua obra. No caso das gravações compiladas na coletânea da Luaka Bop, foi o próprio Tim que renegou em vida algumas canções, a maioria delas remanescentes de um período em que o artista preferiu esquecer. Parte do material, compilado no período de 1970 a 1976, coincide com a fase em que Tim envolveu-se com a seita Universo em Desencanto. Apesar das decepções que acabou confessando pelo movimento e seu guru, Manuel Jacinto, que pregava uma espécie de culto a OVNIS e extraterrestres, é inegável que esse foi também o período de auge da voz e da criatividade artística de Tim. Segundo dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e catalogados pela entidade britânica, Consumers International, o Brasil tem a quinta pior legislação de propriedade intelectual e direitos autorais, entre as 34 nações pesquisadas neste ano.
Status que manteve não só a maior coletânea do artista para o exterior em limbo legal por anos a fio, mas que também provoca falhas na discografia brasileira de Tim, desconhecida por parte da nova geração.
Mas, como bem sabiam os produtores musicais que temiam a tremenda irregularidade profissional do “Síndico”, o risco e o sofrimento valeriam a pena. “O soul brasileiro é soul de uma forma diferente, dentro de um gênero em que isso parece ser uma impossibilidade”, diz Yale Evelev, diretor de marketing da Luaka Bop, que se encarregou de viabilizar o projeto, uma década atrás. “De certa forma, é isso que é tão refrescante sobre a coisa toda. Tim Maia e Jorge Ben Jor são cheios de soul, mesmo não fazendo música baseada no blues como faz o soulman americano. Mas, apesar disso, o sentimento e as emoções que dão nome ao gênero (ou seja, alma) estão todos amplamente em suas obras”, defende Evelev.
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