Algumas pessoas aparentam ter herdado da mitologia do rei Midas, aquele que com um simples toque tornava tudo em ouro, o poder da transformação. A história de vida da bem-sucedida empresária Cecilia Dale a coloca no rol dos herdeiros do monarca. Seguindo o seu instinto e o desejo incontrolável de deixar tudo o que está ao alcance dos olhos mais bonito, Cecilia é proprietária de uma rede de sete lojas que levam o seu nome nas cidades de São Paulo e Campinas; e tornou-se referência no mundo da decoração refinada.
Sua rede não para de crescer, a agenda tem tão pouco espaço como a de um grande executivo e seu passaporte, mesmo antes de vencer, precisa ser renovado em virtude das viagens constantes que realiza pelo mundo para garimpar o que existe de novo no mundo da decoração internacional. O documento atual já não tem espaço para vistos e carimbos. E tudo isso foi conquistado “quase” sem querer.
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Carioca de nascimento, mas com os pés fincados em São Paulo há mais de três décadas, foi em uma temporada de estudos nos Estados Unidos – para onde viajou, nos anos 1970, com o primeiro marido e a filha Sylvia, de apenas 25 dias – que Cecilia descobriu sua imensa capacidade de transformar. Na época, era enorme a dificuldade de encontrar imóveis para alugar em cidades universitárias. Tudo que o casal conseguiu foi um apartamento pequeno, sujo, com cara de abandonado. Enquanto o marido ia para a universidade, Cecilia mandou pintar tudo de branco, vasculhou peças nas lojas que deram um colorido especial e, em poucos dias, transformou a casa sombria em um lugar agravável para acomodar uma família que começava a se formar.
Depois de Sylvia, ainda no Rio de Janeiro, nasceram Monica e Paola e, ao longo de toda a infância das filhas, Cecilia ganhou o seu dinheiro ensinando inglês para crianças. “Fui um dia na porta do colégio e perguntei quem queria ter aulas de inglês. De cara consegui 30 alunos”, recorda.
Quando o marido foi transferido para São Paulo, Cecilia sentiu um peso. “Meu universo eram as crianças e vim parar nessa cidade onde todo mundo era muito ocupado”, conta. Com o inglês afiado, optou pelo caminho natural e começou a estudar tradução simultânea, dedicou-se com afinco, mas, cada vez que vislumbrava seu futuro, trancada e isolada dentro de uma cabine de tradução, era invadida por uma onda de tristeza. “Eu queria gente do meu lado. Então, mesmo sem saber o meu caminho, abandonei o curso.”
Enquanto não se decidia, Cecilia, que sempre foi boa em trabalhos manuais, começou a inventar coisas. Primeiro foram jogos americanos, depois cestas e bandejas de vime. Suas invenções, feitas despretensiosamente em casa, foram parar na loja do empresário Aparício Basílio, que, entre outras criações, fundou a marca de perfumes Rastro, considerada a primeira fragrância de grife no Brasil. “Logo depois, fui convidada para vender meus produtos na feira de utilidades domésticas, a UD e, do dia para a noite, me vi com uma encomenda de 600 peças e vendi tudo”, celebra.
Dessa maneira despretensiosa, mas sempre marcada pela fácil aceitação, aos poucos as criações Cecilia Dale ganhavam as vitrines. Em meados dos anos 1980, a produção informal já era vendida em quase 200 lojas de todo o Brasil. Naquela época, abriu seu primeiro ateliê em uma pequena casa, na mesma quadra onde morava. Era um tempo em que o mercado brasileiro era fechado, a diversidade, rara e praticamente não existiam produtos importados. Ideias, portanto, eram muito bem-vindas – e elas nunca faltaram a Cecilia.
A nova empresária achou que era o momento de fazer uma aposta maior. Começou a encomendar tecidos exclusivos e abriu, oficialmente, sua primeira loja, no bairro do Itaim Bibi. Ela recorda: “Na época, era preciso negociar muito, acho que aprendi a negociar com o meu pai. Na minha casa, qualquer coisa que a gente queria comprar tinha de conversar e convencer. Um vestido novo não vinha fácil, era preciso ter argumentos. Quando abri a primeira loja e passei a vender não só os meus produtos, mas também de outros fornecedores, pude colocar em prática os ensinamentos da família que uso até hoje nos negócios”.
Mas naquele Brasil instável do final dos anos 1980 e começo da década de 1990, apenas negociar não bastava. Era preciso ter jogo de cintura. Com a derrocada de um plano econômico atrás do outro, com a inflação galopante, congelamentos de preços que não davam certo, a quebradeira no comércio tornou-se inevitável, mas Cecilia – que sempre foi avessa a empréstimos e financiamentos – conseguiu manter os negócios sob controle e se viu perante uma nova oportunidade, a decoração de estabelecimentos comercias. O primeiro cliente foi a Casa do Pão de Queijo. “Passei uns cinco anos trabalhando com a decoração das lojas da franquia”, lembra. Por conta desse trabalho, Cecilia foi descoberta pela rede Sé Supermercados, que hoje faz parte do grupo Pão de Açúcar. A experiência com a ambientação de estabelecimentos comerciais fez com que Cecilia abrisse um novo nicho de trabalho, hoje tão importante quando as suas lojas: o Natal corporativo.
As festas natalinas de 2010 ainda estão distantes, mas, entre uma viagem e outra, Cecilia já está começando a elaborar os projetos que vão decorar alguns dos principais shoppings, bancos e lojas de São Paulo. No ano passado, mais de uma dezena de estabelecimentos tiveram suas imensas árvores e guirlandas decorativas desenvolvidas a partir das ideias de Cecilia Dale.
Do Itaim Bibi, Cecilia levou sua loja para a rua Melo Alves, no bairro dos Jardins. A essa altura já havia se separado do primeiro marido e casado com Vicente Giffoni, que, em um dado momento, se viu apaixonado pelo negócio que Cecilia havia criado e fez a proposta de sociedade também na empresa. De imediato, Cecilia negou. Ser sócia do marido não ia dar certo, mas tanto ele insistiu que a conversa foi parar no consultório de uma terapeuta. Cecília conta: “Ela também foi contra, mas o Vicente conseguiu convencê-la, depois a mim, e passamos a trabalhar juntos”. Hoje, Vicente é o companheiro inseparável da empresária nas viagens pelo mundo que incluem um trabalho de garimpo em lojas do Vietnã, China, Tailândia e também da Europa. Dessa empreitada familiar, a caçula Paola também faz parte. É ela quem comanda o marketing da rede de decoração.
As viagens são frequentes, corridas. Cecilia e o marido passam pelo menos três meses por ano fora do Brasil, mas não deixam de ser também prazerosas. Uma das melhores maneiras que Cecilia encontrou para relaxar, seja em São Paulo, seja no interior da China, é cantando. Rodas de música sempre existiram na casa da família. Desde pequena, Cecilia vivia cercada de cantorias. Quando se mudou para São Paulo e começou a frequentar os bares da cidade, deixou a vergonha de lado e também não quis mais passar vontade, ia até os músicos e pedia: “Posso cantar aqui uma música baixinho?”. Sempre conseguia a autorização e soltava a voz entoando os grandes standards da música norte-americana. Um dia, ao ver uma orquestra se apresentar na badalada casa noturna Gallery, em São Paulo, ficou morrendo de vontade de combinar sua voz com todos aqueles instrumentos e fez o mesmo pedido ao saxofonista Hector Costita. Talvez ressabiado, mas também encantado pelo pedido, o músico sugeriu a ela passar na boate em uma das tardes em que estaria ensaiando. Do ensaio surgiu um convite de José Victor Oliva, um dos proprietários do Gallery e, por três meses, Cecilia Dale foi a principal estrela da noite dos finais de semana da boate. Ela diverte-se: “Foi uma delícia, mas eu nunca quis cantar profissionalmente, embora jamais tenha deixado de praticar. Tem um bar em que eu sempre canto na China, tem outro na Tailândia. A música faz todo mundo falar a mesma língua”.
Com a suavidade que apresenta nos traços, na voz, no jeito de falar e no trabalho, Cecilia comanda hoje uma equipe de mais de 400 pessoas. Suas lojas ocupam espaço nos metros quadrados mais caros da cidade de São Paulo: Jardins, Vila Nova Conceição e nos shoppings Iguatemi, Higienópolis, Jardim Sul e Market Place. Tem, ainda, uma loja no Iguatemi, de Campinas. Recentemente, abriu as portas da Arrivato, também na rua Melo Alves, mas com uma proposta muito mais moderna: “Eu não escolho os produtos pensando nos clientes. Eu compro o que gosto, tudo o que está aqui poderia estar na minha casa. Talvez não nessa fase da minha vida, mas em alguma outra fase tudo se encaixava. A Arrivato, acho que é uma Cecilia Dale aos 25 anos”.
Se tudo deu tão certo até agora, e Cecilia se mostra plenamente satisfeita com o que faz, por que não deixar tudo como está e apenas administrar? “O problema é que no varejo não existe o parar, quem para, fica para trás”, resume. Nesse movimento constante, o desafio de Cecilia é continuar crescendo, levar a sua fórmula para outras cidades do Brasil e, ao mesmo tempo, não colocar em risco sua qualidade de vida. As três filhas lhe deram seis netos e, às vezes, lamenta não ter muito tempo para estudar a tabuada ou brincar mais com eles como gostaria. Ou então, se olha no espelho e percebe que não está muito contente com o que vê. “Se sou vaidosa?”, se questiona, apesar de exibir uma aparência impecável. “Acho que sim, mas sem exageros. Voltei de viagem e estava me sentindo péssima, com uma cara de quase cem anos. Corri na dermatologista, coloquei uns ácidos, retoquei o botox, mas plástica nunca fiz. Só acho que a gente precisa se cuidar pelo simples fato de que vamos viver mais.” Antes de se deliciar com os pratos que o marido gourmant prepara, repete para si mesma o ditado: “Um segundo na boca, dois no estômago e o resto da vida nos quadris”.
Mas para quem conversa por horas com Cecilia, a beleza não parece resultado apenas dos rituais e da vigilância que segue. A conclusão é que a exuberância dessa mulher de 62 anos vai além das roupas bem cortadas, da pele bem cuidada ou dos contornos do corpo tão bem preservados. A beleza parece se originar na paixão com que conduz o trabalho e por ter conseguido, com o dom de transformar, encontrar o belo em qualquer lugar e a partilhá-lo. Talvez esse também seja o segredo daquilo que chamam de sucesso.
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