Capa do tabloide sensacionalista alemão Bild. Foto: Harun Farocki/Divulgação
Capa do tabloide sensacionalista alemão Bild. Foto: Harun Farocki/Divulgação

O centro cultural paulistano Paço das Artes leva vida de retirante há 46 anos. Fundado em 1970, terá sua sede fechada pela quarta vez. Curiosamente, ele se despede da Cidade Universitária com o consagrado videoartista alemão Harun Farocki, exposição póstuma que vai na contramão da fama que o espaço criou para si: a de lançar jovens artistas e promover mostras experimentais.

Segundo a diretora da instituição, Priscila Arantes, a mostra já estava agendada desde antes do anúncio do fechamento. É por acaso ser ela a última no campus da USP – com término marcado para o final de março. “As obras expostas, inéditas no Brasil, refletem sobre a natureza de imagens geradas no computador, mas também mostram a aproximação de Farocki com o filósofo e jornalista Vilém Flusser”, conta a diretora. Nesse encontro, registrado no filme-instalação Frases de Impacto, Imagens de Impacto. Uma Conversa com Vilém Flusser, o filósofo de mídias analisa a importância das imagens do Bild Zeitung, jornal sensacionalista alemão, com ênfase no impacto da relação entre os títulos, os textos e as imagens.

Antes de chegar à USP, há 22 anos, o Paço passou pela Pinacoteca, por um espaço da Secretaria de Cultura que funcionou na avenida Paulista e pelo MIS (Museu de Imagem e do Som), todos pontos em São Paulo. O prédio da USP é uma construção inacabada e projetada pelo arquiteto modernista Jorge Wilheim (1928-2014).

Cenas de obras de Farocki, em que o filósofo Vilém Flusser analisa um jornal sensacionalista. Foto: Harun Farocki/Divulgação
Cenas de obras de Farocki, em que o filósofo Vilém Flusser analisa um jornal sensacionalista. Foto: Harun Farocki/Divulgação

A notícia do encerramento da sede do centro cultural foi recebida com pesar, mas sem espanto. É o que afirma Daniela Bousso, curadora que esteve à frente do Paço entre 1997 e 2011. De acordo com a Secretaria de Estado da Cultura, o imóvel será devolvido ao Instituto Butantan, centro de pesquisa subordinado à Secretaria de Estado de Saúde, e dará lugar a laboratórios de biotecnologia. “Isso sempre aconteceu na vida do Paço das Artes. Durante os 16 anos da minha gestão, vivemos sob esse terror de precisar mudar de lugar, de não ter para onde ir. A gestão pública, particularmente a de Marcelo Araújo, que é o secretário da Cultura, tem de lutar para que o Paço tenha uma sede definitiva”, diz ela.

Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Estado da Cultura não tinha anunciado a próxima sede. Procurada pela reportagem, tampouco respondeu se o Paço das Artes finalmente terá, a partir de agora, um lugar definitivo.

Por dentro do espaço
O Paço das Artes recebeu grandes nomes da arte contemporânea ao longo de sua história, como as brasileiras Tomie Ohtake e Regina Silveira, além de Pipilotti Rist (suíça), Yan Fudong (chinesa) e Gary Hill (norte-americano). Além disso,  cumpre o papel de colocar a produção jovem no cenário das artes.

De acordo com Daniela Bousso, artistas como Cildo Meireles, André Komatsu, Artur Lescher, Ana Maria Tavares e Marcelo Moschetta expuseram obras por lá no início de suas carreiras. O Paço também organiza e promove um programa de formação de curadores, que lançou Juliana Monachesi, Paula Alzugaray e Cauê Alves, entre outros.

A exposição da artista Lenora de Barros, que já tem uma carreira sólida nas artes plásticas, estava marcada para abril na USP, mas foi transferida para a Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro. Outra parte da programação do Paço deve seguir para o MIS.

Para Agnaldo Farias, crítico de arte e curador, o fechamento do Paço é um enorme retrocesso. Farias foi assessor de artes visuais de Ricardo Ohtake, quando este assumiu a Secretaria de Estado da Cultura, entre 1993-95, época em que o Paço saiu do MIS e foi para a Cidade Universitária. “O esforço todo naquela época era para criar um espaço próprio para o Paço, devido a sua relevância. Se ele já era importante, depois que foi para a USP, ficou ainda mais”. Farias também foi curador da primeira exposição do Paço na Cidade Universitária: a primeira retrospectiva de Nelson Leirner. “É um artista da mais alta importância. Naquela época, ele estava sem galeria e precisava mostrar a sua produção, o que aconteceu graças a essa exposição. Depois também fizemos um catálogo dessa mostra, que foi muito importante.”

Visitantes de mostra realizada no Paço das Artes no ano passado. Foto: Samuel Esteves
Visitantes de mostra realizada no Paço das Artes no ano passado. Foto: Samuel Esteves


Para o curador, o cenário artístico no País é preocupante, ainda que não enxergue um desmanche dos equipamentos públicos voltados à cultura. “Aqui em São Paulo, o Paço fecha a sede. No Rio de Janeiro, o Estado deixa totalmente descoberta a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e a Casa França-Brasil, nos quais todos os funcionários contratados estão de aviso prévio. Acho um retrocesso, mas na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo tem uma pessoa muito forte, que é o Marcelo Araújo. E acho também indesculpável a maneira como se faz tudo isso – sem se consultar, apenas avisando. É típico de um governo pouco afeito à democracia.”

O papel do Paço das Artes na cidade, no entanto, está longe de ser uma unanimidade. Fora da comunidade das artes plásticas, são muitos os que polemizam a existência do local. Para o arquiteto Marcelo Ferraz, responsável, entre outros, pelo premiado projeto da Praça das Artes, no centro de São Paulo, o Paço nunca teve expressividade na vida cultural de São Paulo. “Mesmo estando dentro da USP, é um lugar desconhecido até pelos estudantes. Nunca foi integrado à vida da universidade, da região ou da cidade, como deveria ser. Eu acho uma pena fechar, mas talvez agora devesse ser repensado. A cidade tem uma carência de espaços democráticos dedicados à cultura. Esses espaços precisam deixar de ser guetos de uma elite, de grupos, de categorias, de artistas, para se integrarem com coragem e de verdade na vida da cidade.”

Como exemplo de equipamentos públicos de sucesso na capital paulistana, Ferraz cita o Sesc Pompeia e o Centro Cultural São Paulo. “Independentemente da programação, que varia de lugar para lugar, os centros culturais precisam ser áreas de convivência, nas quais as pessoas vão e se sentem bem, se sentem parte.”

Para o arquiteto, a crise econômica é usada como uma desculpa para abandonar projetos culturais, deixados por último na lista de prioridades dos governos. “A cultura é vista como a coisa menos importante, quando é ela que promove o encontro das pessoas, o convívio e a tolerância”.

A produtora Ana Helena Curti, que participou de 25 mostras bienais, concorda que o momento de crise é propício para uma “revisão crítica” de como a cultura tem sido conduzida no País até agora. Ela foi presidente do conselho da Organização Social (OS) responsável pela gestão do Museu da Casa Brasileira, também em São Paulo, durante seis anos modelo que, segundo ela, funciona com eficiência, mas que também deve ser repensado. “O Paço é mais uma pedra em um jogo que se forma nos últimos tempos no Brasil. Quando soube do fechamento, falei: está na hora de agir, discutir modelos de gestão, financiamento e legislação para a área da cultura. Sendo produtora há 35 anos, me dispus a organizar encontros nos quais podemos tirar questões de natureza prática. A adesão foi enorme. Chegou a hora”. I


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