Único personagem a estampar duas entre as atuais 93 capas da Brasileiros, Lázaro Ramos é personalidade pública de afinidade estreita com o DNA da revista. Tanto que a primeira aparição do ator soteropolitano, na edição 1, de julho de 2007, foi justificada com o propósito de discutir tema espinhoso, as facetas veladas do racismo no País (leia). Quarenta e duas edições mais tarde, na segunda ocasião em que Lázaro foi capa da Brasileiros, em janeiro de 2011, o ator estava prestes a integrar, no papel do galanteador designer André Gurgel, um novo folhetim das 21h da Rede Globo, a novela Insensato Coração, de Gilberto Braga. Debutando como escritor, ele também havia acabado de lançar o livro infanto-juvenil A Velha Sentada (editora Uirapuru).
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Nomeado havia um ano e meio Embaixador brasileiro do UNICEF (o Fundo das Nações Unidas para a Infância), no encontro com nossa reportagem (leia a íntegra) em 2011, Lázaro tratou dos dois assuntos, mas também recordou sua trajetória, desde a infância humilde na capital baiana, até alcançar o status de um dos mais talentosos e queridos atores de sua geração. Agora, ele volta a manifestar opiniões alinhadas com o pensamento da Brasileiros, desta vez em nosso site, para repercutir a recente aprovação da redução da maioridade penal de 18 para os 16 anos na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmera (CCJ) – a medida ainda depende de aprovação do Senado Federal e deve tramitar até dezembro de 2015. Leia a seguir a entrevista concedida por telefone.
Brasileiros – O UNICEF já tem um posicionamento oficial sobre a recente aprovação da redução da maioridade penal pela CCJ da Câmara?
Lázaro Ramos – Não posso falar em nome do UNICEF, porque ainda não conversei com a comissão da entidade depois da aprovação da CCJ. Mas, antes de falar, como cidadão, sobre o assunto, acho importante enfatizar que essa é uma questão dificílima, pois sabemos que ela envolve menores que cometem crimes que afetam a vida de várias famílias, não só as deles próprios, mas principalmente aquelas que foram vítimas. Antes de qualquer coisa, é preciso falar da solidariedade que devemos reservar a essas vítimas. Por outro lado, a gente sabe que vive em um País muito desigual que, até então, não tem a capacidade de fornecer os direitos básicos de cidadania, que vão desde educação de qualidade para todos e questões que também são essenciais como o acesso ao saneamento básico e a inclusão aos sistemas públicos de lazer. A gente ainda vive um lento processo de busca por cidadania e direitos iguais. Algo que, naturalmente, afeta a formação das crianças e dos jovens brasileiros. Para mim, fica muito difícil pensar que a solução para o grande problema de violência que existe no Brasil é somente reduzir a maioridade penal. Devemos discutir outras questões, antes de pensar em uma saída como essa. Se o País conseguir oferecer os direitos básicos a todo e qualquer cidadão, a toda e qualquer criança e adolescente, a redução da maioridade penal será um debate dispensável. Precisamos ter outras reflexões, pois reduzir a maioridade nada mais é que é um paliativo.
Alguns setores da sociedade, contrários à redução, defendem que a medida tem maior significado de vingança do que de justiça. Como é possível convencer os familiares das pessoas vitimadas por menores a refletir sobre essa distinção?
A única coisa que eu posso dizer é que sou solidário à dor dessas pessoas. Não tenho a menor noção do tamanho do sofrimento causado por algumas das tragédias que acontecem, mas acho importante ressaltar para elas que a gente vive uma época se tem cada vez mais possibilidade de adquirir informação. Depois da aprovação pela CCJ, começaram a surgir várias argumentações explicando porque não devemos reduzir a maioridade penal. Acho importantíssimo que isso aconteça, principalmente, porque este é um assunto que afetará grande parte de nossa sociedade e as pessoas precisam, cada vez mais, ir atrás dessas informações. Muitos, no dia a dia, dizem não ter tempo para isso, mas vale a pena procurar se informar, principalmente, porque começam a aparecer dados com conteúdo muito esclarecedor, que nos fazem perceber que temos de nos informar mais e mais, pois a gente nunca se dará conta da dimensão dessa questão. Essa leitura que a pessoa faz de forma mais solitária permite que ela investigue e forme na sua consciência e no seu coração qual deve ser a melhor escolha para o Brasil. São tantos argumentos que se tem para falar… Os adolescentes infratores brasileiros não são punidos com a cadeia, mas eles já são responsabilizados. Já existe uma lei que versa sobre esses delitos e que, talvez, não esteja sendo cumprida de maneira eficaz no sentido de recuperá-los. A redução da maioridade penal e o alijamento desses adolescentes de nossa sociedade, para colocá-los na cadeia, não será a solução. A reincidência de encarceramento nas prisões para adultos é de 70%, enquanto que no sistema socioeducativo é inferior a 20%. Acho que vale a pena fazer uma leitura solitária do problema e não ficar apenas indo atrás de frases feitas, nas quais a questão é resumida e simplificada quando, na verdade, ela é muito complexa.
Na esfera da opinião pública, o aprofundamento desse debate carece de informações claras e imparciais. Você acredita que a grande imprensa exerce esse papel a contento?
Eu não diria que sim, porque já há alguns anos eu sou uma pessoa que tem se policiado com relação a não se deixar levar pela informação vinda de apenas um lugar. Já há algum tempo eu busco me informar em mais de uma fonte, para poder chegar a meu próprio denominador comum, poder conversar e dizer o que penso para as outras pessoas. Quanto mais o tempo passa, menos coisas curtas eu procuro ler. É interessante, por que a gente vive num tempo em que as pessoas correm para o Twitter para, em 140 caracteres, passar uma informação e eu estou fugindo disso. A gente vive numa terra complexa, num tempo complexo e nenhum resumo dará conta de falar na dimensão correta dessas questões de violência, de identidade e de cultura no País. Essas questões da nossa realidade não são passíveis de resumo, pelo contrário, elas são muito complexas e a gente tem de fazer um esforço a mais para encontrar estudos confiáveis.
A redução da maioridade penal tramita há mais de 20 anos, período em que o País também instituiu a aprovação automática no ensino público. Você vê alguma relação entre esse dado e o agravamento da violência praticada por jovens?
Não há dúvida que a grande questão do nosso País é a educação. Para um país como problemas sociais como o nosso, tratar a educação como sexta ou sétima prioridade é um absurdo. Todas as mazelas do Brasil passam pela carência de acesso à educação de qualidade e a necessidade de repensar o modelo de educação. O buraco é tão embaixo que a gente nem pensa sobre questões como “será que a gente está aplicando o modelo correto de educação para os nossos filhos?”. Tem crianças que vão com fome para a escola e outras que tem problemas clínicos, como déficit de atenção para adquirir informação. O mundo mudou tanto e será correta a maneira que aplicamos para adquirir educação?
Que leitura você faz do atual momento vivido pelo País?
É difícil falar sobre isso, pois, confesso, ando muito preocupado com as polarizações, com o oito ou oitenta, acho que a gente está precisando se escutar mais, ao invés de ficar só na busca de argumentos que desqualifiquem os argumentos do outro, como no caso da redução da maioridade penal. Acho que o mundo mudou, o Brasil mudou e a gente precisa deixar nossa visão e nosso pensamento mais abertos para todas essas mudanças que incomodam e tiram o conforto de alguns, claro, porque é muito mais fácil viver em um mundo de códigos pré-estabelecidos. O que estou falando agora pode parecer um conceito subjetivo, mas se trata exatamente disso, precisamos estudar nossas novas subjetividades. Se, por um lado, a gente tem várias mazelas que demandam nossa atenção e precisam ter um fim, por outro, acho que a gente muitas vezes esquece o quão poderoso e bonito o Brasil é. Volta e meia me pego pensando que não existe país no mundo que tenha diversidade tão rica quanto a do Brasil. Eu acho que esse é o nosso maior valor: a diversidade de culturas, a diversidade de rostos, a diversidade de pensamentos. Talvez eu considere esse um fator poderosíssimo, pois viajo para outros países e acho tudo muito parecido e uniforme. Temos essa riqueza fundamental, que devia ser celebrada, mas sinto uma perda de sua valorização. Por outro lado, apesar de a gente viver em uma época bem individualista, considero também que os problemas do Brasil merecem cuidados com a força de um espírito comunitário. Quanto mais juntos nós estivermos, melhor país nós seremos. Lógico, cada um de nós tem seus desejos, mas esse espírito comunitário de mobilização, que é bem diferente de manifestação, é que a gente tem de perseguir dia após dia. A mobilização é diferente da manifestação, pois ela te convoca todos os dias, você contempla e enfrenta os problemas todos os dias. Já as manifestações são realizadas esporadicamente e um desejo que tenho é de ver mais mobilizações de nossa sociedade. Falo isso não como lição para os outros, falo parar mim mesmo. Às vezes, tento me policiar para não ficar no samba de uma nota só e me esquecer do mundo, e sigo acreditando que essa mobilização diária é necessária. Dar uma entrevista como essa é, para mim, algo delicado, porque vivemos numa época em que a gente quase não tem escuta e ouvir é um exercício muito importante. Aliás, como dizia um professor de teatro meu: “Deus nos deu duas orelhas para a gente escutar mais do que falar”. Penso que, se a gente falar com uma melhor escuta, nossa fala terá mais qualidade.
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