Para onde a gente vai, o Brasil nos surpreende. Muitas vezes, saímos da redação com uma pauta e voltamos com outra história completamente diferente. No final de agosto, a Brasileiros tomou o rumo de Barretos, cidade de 112 mil habitantes a 425 km de São Paulo, com a missão de fazer uma reportagem sobre o País rural que dá certo e se diverte, bem longe das crises do País oficial, para mostrar como vivem os ricos do campo. O gancho era o encerramento da Festa do Peão de Boiadeiro, que tornou a cidade famosa por promover o “maior rodeio do mundo”, ponto de encontro dos milionários do agronegócio, mulheres bonitas, jatinhos, carrões, muita música sertaneja, comida e cerveja a rodo. Voltamos com uma animadora reportagem sobre o Hospital de Câncer de Barretos, do qual já havia ouvido falar, mas não tinha a menor ideia da grandeza humana e científica dessa obra erguida e tocada por uma família de nome Prata.
Logo que chegamos, fui à casa de um amigo, o Chico Amêndola, que faz tempo mora em Barretos e conhece todo mundo por lá. Em busca de um bom personagem, queria saber dele quem melhor simbolizava esse Brasil rural que dá certo e tem uma boa história para contar.
“Você tem de falar com o Henrique Prata!”, aconselhou-me ele de forma impositiva, sem pensar duas vezes. Nunca tinha ouvido falar do seu nome nem do que ele faz ou fez na vida, mas não levei muito tempo para descobrir que ali estava escondida, só esperando alguém para contar, uma dessas belíssimas histórias que nos faz acreditar cada vez mais no Brasil e nos brasileiros – uma história de fé, determinação, superação, dedicação e amor ao próximo.
O fazendeiro Henrique Duarte Prata, 58 anos, só estudou até os 15, foi emancipado aos 16, quando começou a tocar as fazendas do avô Antenor Duarte, tirou brevê de piloto aos 17 e, aos 22, comprou seu primeiro avião. Ficou rico muito jovem fazendo negócios com terras, gado e cavalos em propriedades que se espalham de Barretos a Rondônia. Seu pai, Paulo Prata, um médico humanista que se formou na USP, fundou o Hospital São Judas em Barretos, para atender aos pacientes da roça sem recursos para fazer tratamento em São Paulo. Foi o embrião do complexo hospitalar da Fundação Pio XII, que ocupa hoje uma área de 90 mil m2, com 50 mil de área construída, onde são atendidos 20 mil novos pacientes por ano – em sua absoluta maioria, pacientes pobres, vindos de outros estados.
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Em 1988, com a hiperinflação no governo José Sarney, o São Judas quebrou, e Paulo Prata se afundou em dívidas, depois de vender os bens da família para manter o hospital especializado em oncologia. Único filho sem curso superior e sempre mais próximo do avô que do pai, Henrique assumiu e pagou as dívidas pensando em fechar o hospital, mas teve um sonho que mudaria a sua vida e a de milhares de pessoas pobres que passaram a receber de graça um tratamento só encontrado em grandes hospitais como o Albert Einstein e o Sírio-Libanês, em São Paulo.
Qual foi o milagre para transformar o sonho de Henrique em realidade? A história é bonita, mas é longa, nem sei por onde começar. Por isso, convido vocês a lerem a entrevista publicada a seguir, em que ele mesmo conta como levantou recursos junto à sociedade e aos governos, colocando no mesmo barco o ex-governador José Serra e o ex-presidente Lula, vendendo rifas e promovendo shows beneficentes com todos os grandes artistas brasileiros.
Com a visão humanista do pai e a vocação empreendedora do avô, Henrique comanda hoje um batalhão de 500 médicos, inaugurou em julho o maior Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Treinamento da América Latina, construiu uma Faculdade de Medicina (pronta há dois anos e ainda fechada por falta de autorização para funcionar) capaz de formar os profissionais necessários para levar sua rede de hospitais a outros estados e assim evitar que 300 veículos, entre ônibus, ambulâncias e vans, cheguem diariamente a Barretos de todos os cantos do País trazendo novos pacientes. A receita de Henrique para atender com qualidade a mais pacientes, gastando menos que os hospitais públicos, pode ser resumida em duas palavras: solidariedade e credibilidade. É assim, com a multiplicação de exemplos como os dele que se pode melhorar a saúde pública no País sem a criação de impostos.
Brasileiros – Para contar a história desse hospital desde o começo, Henrique, gostaria que você nos falasse da tua família.
Henrique Duarte Prata – A família paterna é de Sergipe, descendente de portugueses. Meu avô Ranulfo Prata era médico e escritor. Não o conheci, morreu novo. Era cardiologista e fez a medicina dele em Santos. Meu pai fez o colegial em Santos também. Meu avô escreveu um livro conhecido, Navios Iluminados, sobre emigrantes do Nordeste, iludidos, que vinham trabalhar no Porto de Santos e viraram escravos. Por parte de mãe, meu avô se chamava Antenor Duarte Vilela. É de uma família mineira de Sacramento que veio para Barretos, em 1932. Aqui, ele fez o colegial. Tinham uma fazendinha de 100 alqueires em Minas. Ia a cavalo para a escola. Quando terminou os estudos, começou a comprar gado, a trabalhar de comissário de comitiva, buscar boi lá no sertão para os fazendeiros. Aprendeu toda a cadeia da lida no campo, que era domar animal no sertão e trazer para o Centro-Oeste. Depois, aprendeu a fazer negócio. Os caras que iam para o sertão pegavam dinheiro dos capitalistas da cidade e levavam para o sertão, para buscar boi. Então, ele, um homem inteligente, foi vendo a cadeia do negócio. Muito cativante, conquistou a confiança dos capitalistas e também começou a comprar boi. Comprava por 10 e ia vender por 11…
Brasileiros – Ele não criava gado, ele intermediava…
H.D.P. – Intermediava. Como era extremamente ativo, o aconselharam a vir para Barretos, na década de 1930, porque a cidade estava explodindo com a expansão de pecuária. Já tivemos uma grande indústria frigorífica aqui, a Anglo, dos ingleses. Meu avô virou um grande comerciante de boi. Começou a comprar terras, que eram boas e baratas, para desenvolver a pecuária aqui no Estado de São Paulo, muito superiores às terras onde fora criado, que eram terras ruins lá em Minas.
Brasileiros – Naquela época as terras eram boas e baratas. Agora é o contrário…
H.D.P. – E aí ele começou a ganhar dinheiro em São Paulo. Chegou ao ponto, em 1940, de abrir fazendas derrubando matas no Paraná, sempre atrás de terras boas. Foi um visionário, sabia que as coisas só aconteciam dependendo da qualidade da terra. E foi atrás de terras férteis. Em cada década, foi parar em um canto diferente. Só não conseguiu ir para Rondônia porque já estava velho. Aí, fui eu. Quando ele foi para Mato Grosso, eu já tinha uns vinte e poucos anos. Tive a oportunidade de seguir um pouco a escola dele. Aonde ele ia, seguia junto, a ponto de parar de estudar com 15 anos, numa família em que todos eram estudiosos, acadêmicos…
Brasileiros – E você resolveu seguir os passos do avô, que também não tinha diploma.
H.D.P. – Meu avô tinha somente o colegial. Eu o enxergava como um homem sábio, que tinha sabedoria de vida, era muito querido e se desenvolveu por conta própria, a ponto de virar um homem rico… Quando parei de estudar, fui cuidar da fazenda que ele tinha aqui em Itápolis. Com 17 anos, eu já tomava conta de três fazendas. E, com 21 anos, eu já era casado e já eram 15 fazendas. Então, fui amadurecido meio à força. Tudo o que eu conheço, o êxito do hospital, está na escola do meu avô. O êxito de gestão. O que é êxito de gestão? Você viu ontem eu contando aquela história para o Serra, que fez o hospital de câncer mais importante do mundo, com tudo do bom e do melhor, com o dobro de equipamentos que nós, e produziu 30% a menos…
Brasileiros – Que hospital é esse?
H.D.P. – O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). O Serra criou aquilo para ser o maior hospital da América Latina. O governo mantém o hospital com R$ 27 milhões por mês e produz um terço de atendimentos a menos do que eu. Nosso complexo hospitalar tem um custo mensal de R$ 9,5 milhões. O ICESP fez um milhão de procedimentos em 2010. Nós atendemos 1.270 milhão, 27% a mais que eles…
Brasileiros – E gastando três vezes menos. É isso mesmo?
H.D.P. – Perfeitamente. Nós custamos para os cofres públicos, por meio do SUS, R$ 9,5 milhões. O ICESP custa para o estado, já que quem paga o custo dele não é só o SUS, R$ 27 milhões. Na verdade, nosso custo total é de R$ 15 milhões por mês, mas o restante nós vamos buscar na sociedade, não é custo do estado. Estou falando isso sem querer criticar os outros, só mostrando a diferença que a gestão pode fazer.
Brasileiros – Que receita é essa do teu avô que você, com um terço dos recursos gastos em um hospital público, atende mais gente? Como é que você explica isso para uma pessoa leiga?
H.D.P. – Minha visão é um pouco crítica em relação à forma como são tratadas as coisas da saúde pública, em que tem muito cacique e pouca disposição para enfrentar o problema. Como instituição filantrópica, temos isenção de impostos e o direito de fazer campanhas de arrecadação. Todo mundo esquece desse direito e fica parado, não vai à luta. Basta lembrar dos anos 1950, o orgulho que as famílias tinham em administrar as Casas de Misericórdia, as Santas Casas. Isso acabou. As pessoas só querem ter isenção de impostos do governo e que ele financie o restante. Reclamam que a tabela do SUS não cobre o custo e se esquecem de que, como entidade filantrópica, já se beneficiaram por não ter tantos encargos como a medicina privada. Se não tiverem credibilidade perante a sociedade, não conseguem fazer campanhas para levantar recursos privados. O problema é que, no mesmo ambiente, eles colocam gestão de medicina privada, de medicina de plano de saúde e de SUS. De cara, qualquer um percebe que existem três formas de tratar as pessoas dentro de uma mesma instituição. E o povo é muito sábio. O povo distingue isso com uma facilidade imensa e aí não acredita na proposta daquela instituição.
Brasileiros – A questão não é só financeira, a questão é moral.
H.D.P. – A questão principal é a moral. As pessoas podem estar enganando a si próprias, mas não o usuário do serviço. Porque ele sabe muito bem o que é ter direitos iguais de receber um tratamento decente. E quem é filantrópico precisa ter uma visão de filantropia, uma preocupação humanitária, não é só uma questão financeira. E a concepção dessa palavra, principalmente misericórdia, é você trabalhar na concepção da fé, buscar nos corações das pessoas que são cristãs o compromisso de pensar no próximo. E ficam, então, nessa queixa permanente de que a tabela do SUS não cobre os custos. O SUS não tem recursos para pagar mais, nem deve. Mesmo assim, para mim, o SUS é o melhor plano de saúde pública do mundo. Eu conheço a medicina pública de 21 países, estudei sobre medicina pública, sou especialista em gestão de saúde. Não conheço nada que seja tão completo e democrático quanto o SUS. Com carteira de identidade, você é atendido em qualquer parte deste País.
Brasileiros – Em que o hospital filantrópico de Barretos é diferente de outros?
H.D.P. – Mesmo sendo o neto preferido do meu avô, fui o único dos 23 que parou de estudar e foi atrás dele. Ele nunca permitiu que eu mandasse fazer uma coisa se eu não tivesse aprendido a fazer e mostrasse que eu tinha aprendido direito. E essa concepção eu trouxe para o hospital quando meu pai morreu, em 1997.
Brasileiros – Quem criou o hospital?
H.D.P. – Foi meu pai, Paulo Prata, que era médico oncologista. Em 1961, ele abriu primeiro o Hospital Geral, que, em 1967, passou a ser o Hospital de Câncer de Barretos. Meu pai se formou em 1950 e, no ano seguinte, já tinha feito doutorado em Oncologia. Eu era o terceiro de cinco filhos. Eles queriam criar os filhos no interior e vieram para Barretos. Tive a oportunidade de ser criado no campo, na roça. A Zona Rural abrigava 55% da população. Naquela época, só existiam hospitais de câncer nas capitais, principalmente em São Paulo. Ele encaminhava os pacientes para o A.C. Camargo, mas metade voltava no dia seguinte, com medo de ser tratado na cidade grande, porque era um homem da roça, um caboclo. Vendo o sofrimento dessas pessoas que não se tratavam, resolveu transformar o Hospital Geral em hospital especializado em oncologia. Era talvez o homem mais temente a Deus que já conheci. Teve a coragem de chamar os cinco filhos para dizer que nunca iria dar carro ou dinheiro para eles. Já que a profissão dele era médico, tudo o que tinha dava só para os pacientes. Os dois filhos mais velhos ficaram revoltados, mas ele não se curvou. Eu fui emancipado aos 15 anos, não precisava do dinheiro dele para comprar meu carro.
Brasileiros – Você estudou até que ano?
H.D.P. – Estudei até a oitava série. Aí, fiz o supletivo do colegial, o antigo exame de Madureza, para poder tirar o brevê, queria ser piloto. O único diploma que tenho é o de piloto comercial. O Brasil é muito grande, tudo distante, eu tinha de ter avião. Aos 17 anos eu já voava, era totalmente autossuficiente. Vim seguindo a escola de vida do meu avô, assumindo financiamentos, fazia negócios por conta própria. Meu avô abriu uns 20 mil alqueires de pastos, uns 60% estavam no Estado de São Paulo. Na década de 1960, chegou a ter um rebanho de 50 mil bois. Nunca abandonei o campo. Essa é minha raiz, minha história, minha formação, e hoje faço pecuária de cria, recria e engorda no Mato Grosso. Tenho 20 mil cabeças de gado em oito mil alqueires. Todas as terras que tenho, eu que abri. Comprei meu primeiro avião com 22 anos.
Brasileiros – E como você entrou na história do hospital não sendo médico?
H.D.P. – Meu pai morreu em 1997. Por que eu te contei essa história de ele ser o homem mais próximo de Deus que eu já conheci? Porque meu pai criou essa medicina mais humanizada, fazer tudo o que se tinha para fazer, dar tudo o que podia de melhor para as pessoas, dar igualdade de tratamento para todos, independentemente de quem são, de terem dinheiro ou não. Você tem de chamar o paciente pelo nome. Agora, estou abrindo uma Faculdade de Medicina porque sei o que é certo fazer. Porque segui os ensinamentos do meu pai e montei um exército de médicos, dizendo para eles como é que se faz para tocar nessa orquestra. Sou o regente de uma orquestra. Não sou médico, mas sei fazer esses médicos tocarem no tom que eu quero. Não tem um médico que desafina comigo na minha história de 25 anos de gestão. Se ele desafinar a viola comigo, dependendo da desafinada, quem põe ele na rua sou eu. Eu olho nos olhos dele, pago bem, mas tem de fazer direito. Medicina tem de ser com o médico respeitando o paciente, olhar nos olhos dele, pegar no ombro, por a mão. Porque foi isso que meu pai fez na medicina dele. Foi isso que me deu a condição de arrastar a multidão que eu arrastei quando o hospital quebrou na mão dele. Fui surpreendido com a força de ver o que é tratar as pessoas com amor. Então, a sociedade me abraçou e nós salvamos o hospital.
Brasileiros – Quando foi isso?
H.D.P. – O hospital quebrou em 1988, naquela época da inflação maluca do Sarney. O INSS só pagava 90 dias depois do fechamento da fatura. Aí você põe uma inflação de 60%, como chegamos a ter em 1988, quem ficou em pé? Não sei. Nós tínhamos 100% de atendimento de INSS, não havia como sobreviver. Todo ano, minha mãe, Scyla Duarte Prata, que é médica ginecologista e ainda trabalha, pegava dinheiro de pecuária da família dela e cobria o vermelho do operacional. Não dava dinheiro para os filhos, mas dava o remédio certo para os doentes. Minha mãe abdicou de ter pecuária para dar a meu pai a oportunidade de ele fazer a medicina que ele queria. E aí ela nunca teve dinheiro, porque todo o dinheiro que o pai dava para ela, ela só tapava o buraco da instituição. O dinheiro do meu avô Antenor financiou a medicina filantrópica do meu pai.
Brasileiros – Tua história, então, é a mistura da vida do avô com a do pai? Que história, rapaz!
H.D.P. – História bonita a deles. Minha mãe, mineira, veio fazer Medicina na USP, em São Paulo, o que era muito raro para as mulheres daquele tempo. Lá, ela conheceu meu pai e depois vieram abrir o hospital aqui em Barretos. Ela também aceitou isso por sua formação cristã, a capacidade de entender que, para meu pai, o dinheiro não valia nada a não ser para melhorar a vida dos outros. Dos cinco filhos, o mais distante do meu pai, até certa idade, fui eu. Com 17 anos eu já morava na casa do meu avô, era um filho que nunca se interessou por nada das coisas do hospital do pai. Mas na hora em que meu pai quebrou, entrou em falência, uma das grandes coisas que meu pai me ensinou foi que eu deveria ter um apoio espiritual de alguém que tivesse uma vida sã. Então, ele me falou: “Nós somos católicos, você deve procurar um orientador espiritual para as dificuldades que vai ter ao longo de sua vida. Vou te contar uma experiência que tive. Perdi meu pai aos 18 anos e sempre tive um diretor espiritual, em vez de um dia precisar de um psiquiatra ou de um psicólogo. Seus irmãos procuraram um psiquiatra, mas você, se tiver opção, a opção que deu certo para mim, foi essa”. Essa foi uma das lições mais importantes que ele me deu.
Brasileiros – Quem você procurou?
H.D.P. – Tinha um bispo aqui de Barretos, chamava-se Dom Antonio Mucciolo. Ele que criou a Rede Vida de Televisão. Eu o via como um homem empreendedor. Um homem de extrema alegria, de extrema sabedoria. O bispo me deu o conselho de que eu deveria me ocupar pelas coisas, seguindo meus dons, que eram os negócios, mas também me ocupar com as coisas que nos aproximam de Deus, que é cuidar do próximo, pensar no próximo. Um dia, quando meu pai quebrou, aquele bispo era o curador da Fundação Pio XII, que mantinha o hospital, ele me falou: “Você tem de olhar para o seu pai nesse momento em que você tem os dons como comerciante e seu pai tem zero de dinheiro, seu pai está endividado”. Quando ele me chamou, meu pai estava havia seis meses sem pagar os fornecedores do hospital. E eu só pensava em ganhar dinheiro com meus negócios. Entendi, naquele momento, que eu deveria fazer algo pelo meu pai. E fiz, mas com uma atitude completamente racional. Reuni o bispo com minha família para dizer: “Vou fechar esse projeto do meu pai, que é um projeto louco, trabalhar em um hospital que só dá prejuízo”. Então, estabeleci que só entraria para ajudar meu pai fechando aquela obra que só dava prejuízo.
Brasileiros – Fechar, pagar as dívidas, é isso?
H.D.P. – É, porque íamos vender terras da minha mãe, todo o gado dela, e negociar com os bancos dos fornecedores para fechar o hospital. Na época, a dívida era de mais de US$ 2 milhões. Vendi os bens da minha mãe, deixei um pedaço de terra e paguei as dívidas do meu pai. Chamei os médicos e fiz um acordo. Usei um pouco da malandragem do comerciante. Falei para os médicos que eu ia tocar o hospital, mas não era como meu pai, porque com a família e o bispo, eu tinha combinado de fechar. Os médicos decidiram perdoar a dívida. Para colocar meu aval nas dívidas do hospital, pedi aos bancos: quero 50% de desconto. Em 30 dias, fecharia o hospital. Aí, veio a grande transformação da minha vida. Foi no exato dia que chamei meu pai para avisar que iria fechar o hospital, e ele me agradeceu. Fui tomar o café da manhã com ele, ele me deu um beijo na testa e me agradeceu, dizendo que eu tinha sido um filho de muito valor para ele. Disse: “Estou ansioso para você fechar, porque essa não é sua profissão, não é seu ideal. E isso está prejudicando seu casamento, seus negócios, sua vida. Você não tem os ideais que são os meus, então acaba logo com isso”. Às 11 horas da noite, quando acabava a última cirurgia do hospital, eu fazia mensalmente um balanço das atividades do hospital para os médicos. Então, a última pauta da minha reunião com os médicos não era para contar que o hospital ia fechar, mas era a última vez que eu ia encontrar com aquele grupo, prestar contas para eles.
Brasileiros – Eram quantos médicos?
H.D.P. – Eram 16. Então, achei que era a última vez que íamos nos encontrar. No final da reunião, um médico, que era como se fosse um filho para o meu pai, um dos médicos mais talentosos, levantou-se e, sem saber nada do que estava acontecendo, falou que precisava me mostrar uma coisa. Me levou então a uma sala de curativos, do lado do centro cirúrgico. E ele me explicou que se fizesse algumas mudanças, poderia criar ali uma sala de pequenas cirurgias. “Assim, eu tiro as pequenas cirurgias das salas grandes, passo para cá, e você salva mais pacientes do que eu como médico. Se você criar condições de atender uma pessoa em um prazo menor de tempo, salva mais vidas do que um médico. O tempo de espera de algumas cirurgias, que é de 60 dias, pode ser reduzido pela metade. Agora, se eu mandar o paciente para São Paulo, a espera lá é de 120 dias. É só você comprar um foco de luz que custa US$ 5,5 mil e colocar nesta sala”. Aquilo deu um impacto tão grande na minha consciência que fui dormir encabulado, só pensando nisso.
Brasileiros – Você nem falou então que a sua intenção era fechar?
H.D.P. – Não, não falei para ninguém e fui dormir. À noite, sonhei com um projeto do meu pai para o hospital. Sabia que ele havia guardado esse projeto em algum lugar, tinha a maquete, mas não sabia direito o que era. Era uma planta de hospital bem horizontal. E eu sonhei que ia construir aquele projeto, que tinha força de salvar vidas sem ser médico. Então, me enchi de amor de uma hora para outra, porque antes eu tinha ódio. Até aquela noite eu tinha ódio do que eu fazia. Estava fazendo aquilo por obrigação de filho. Acordei com uma concepção de amor que mudou minha vida da água para o vinho. No outro dia, às 7 horas da manhã, eu tinha o mesmo amor que meu pai pelo paciente. Uma certeza absoluta de que eu iria salvar vidas. Porque, se com um foco de US$ 5,5 mil para a mesa de cirurgia eu poderia salvar vidas, imagina se eu construísse um trem maior aí? O que eu posso fazer? Quantas vidas mais vou salvar? Da mesma forma que me converti, converti milhares de pessoas, homens simples, caboclos, mas que sabem que, se nós dermos a nossa contribuição, estaremos salvando mais vidas que os médicos, porque médicos têm a limitação deles. Nós, não. Não existe limitação para um cristão.
Brasileiros – E como foi para você conseguir recursos para poder transformar esse sonho em realidade? Porque você sabia que não podia continuar torrando dinheiro da família, claro. Até porque, na verdade, aquilo um dia iria acabar. Como é que você conseguiu criar esses recursos?
H.D.P. – Isso foi uma grande briga minha e do meu pai. No dia seguinte, às 7h15 da manhã, eu fui para a casa dele e falei que eu iria construir um hospital para salvar muitas vidas. E ele respondeu: “Então, eu vou te internar, porque ontem você veio aqui e falou para mim que nós íamos fechar e agora você chega aqui e fala que vai construir um novo hospital? Onde estão os recursos para isso?”. Falei: “Não está na política nem nos bancos. Está na condição de me humilhar todos os dias. Se eu me humilhar todos os dias para pedir, eu faço o seu sonho”. Nem sabia o tamanho. “Então, você está ficando louco. Meu projeto é muito grande, não é dinheirinho que faz o meu projeto”. Falei: “Não interessa, vou pedir ajuda de um e de outro, vou começar. Tenho de acordar todos os dias pensando em fazer algo para executar o projeto”.
Brasileiros – Tudo isso aconteceu em 1988?
H.D.P. – Essa conversa foi em 1989, sete meses depois de o hospital quebrar. “Eu não vou abrir essa planta para você ver”, meu pai me disse. Falei: “Quero ver essa planta”. A minha briga com ele durou três dias e três noites. “Quero pelo menos saber se essa planta foi do jeito que eu sonhei. Foi o Espírito Santo que me iluminou, então quero ver se isso é verdade”. Aí, ele me pediu uma prova concreta. Saí do escritório e encontrei um primo, Maurício Jacinto, que era um judeu muito rico, não abria a mão nem para dar bom dia. Falei para ele: “Sabe aquela história de benfeitores do Sírio-Libanês, com a colônia libanesa, e o Albert Einstein, com a colônia judaica, que permitiram a construção desses grandes hospitais? Você me dá US$ 10 mil seus e US$ 10 mil da sua mãe e eu vou construir um hospital e colocar o nome da sua família. Me dê a chance de colocar o nome do seu pai, que era muito amigo do meu avô”. Ele topou na hora: “Claro que eu te dou US$ 10 mil para tirar aquele povo que fica tomando soro na rua, com guarda-chuva”. No ambulatório do meu pai só cabiam 30 pessoas, chegavam 150 por dia no São Judas, onde tudo começou. Ele ainda se ofereceu para cuidar da construção do novo hospital. O Maurício foi à noite lá na casa do meu pai e contou nossa conversa. “Agora, você tem o dinheiro, te mostro a planta”. Ele foi lá no cofre e pegou a planta. Era exatamente a que eu tinha sonhado. Quase caí de costas. Falei: “Vou construir esse projeto porque foi isso que sonhei. Minha missão daqui em diante é só cuidar disso, é meu destino”. Por que eu estou contando essa história? Você já ouviu falar de alguém que sonegou alguma coisa para os filhos? Meu pai sonegou tudo. Quando morreu, sua herança, que era o Hospital São Judas, ficou para a Fundação Pio XII. Mas ele deixou o grande exemplo de vida de cuidar bem dos doentes pobres. Deus me deu essa missão de continuar a sua obra, mesmo sem ser médico. Com 25 anos, eu era um homem rico. O País me deu essa oportunidade e eu precisava retribuir.
Brasileiros – Depois da primeira doação, como você arrecadou dinheiro da sociedade para dar início às obras?
H.D.P. – Nos primeiros 20 dias, eu e o Maurício visitamos 45 famílias amigas do meu avô, pessoas da pecuária, que tinham posses. Nós pedimos US$ 10 mil para cada família. Nenhuma negou. Então, levantei o primeiro prédio do ambulatório com US$ 450 mil doados por fazendeiros de Barretos, São Paulo e Campo Grande. Para comprar os equipamentos, tive de fazer uma campanha de 50 mil números da rifa. Em 20 dias, vendemos todos só dentro de Barretos e região. Era uma rifa de uns US$ 150, US$ 200 mil. A rifa já foi feita para envolver a sociedade.
Brasileiros – Teu pai chegou a ver o projeto dele se tornando realidade?
H.D.P. – Chegou. De 1989, quando comecei a fazer a primeira construção, até 1997, nós trabalhamos oito anos juntos. E nesse tempo todo eu fui me apaixonando por ele, me ajoelhando aos pés dele. Nunca vi um ser humano, nenhum médico, tratar as pessoas como ele. Ele fazia cinco, seis, dez pessoas da família ficarem com um ente querido em um quarto, uma semana antes de a pessoa morrer. Ele queria calor humano absoluto no final da vida das pessoas. Conheci a história de muitos homens que admiro, alguns pastores, alguns padres, mas não conheci um homem com uma dedicação e amor ao próximo como o meu pai. O paciente era a vida dele, era a necessidade de ele dar o que podia para aquela pessoa. E, de preferência, 100% aos pobres. Nunca deu um remédio que não fosse o melhor para o paciente. Por isso, decidi colocar em pé a planta do meu pai, com tudo o que existia de melhor, porque aí tenho moral para pedir a Deus me ajudar. O melhor arquiteto da época chamava-se Jarbas Carmo, que construiu o Einstein. Era um homem que tinha logística de hospital com pensamentos mais humanizados. Falei para ele: “Senhor Jarbas, tenho uma aliança com Deus que não posso fazer nada se não for o melhor. Eu vim atrás do senhor, porque é o melhor. Quanto cobra o metro quadrado?”. Eram R$ 20. Falei: “Não tenho esse dinheiro, mas preciso do senhor”. Ele perguntou: “Quanto você tem?”. Respondi: “R$ 5”. Ele aceitou. Mostrei que nada é impossível. Tudo o que existia de melhor, fui em cima.
Brasileiros – Você não é nem médico nem economista nem engenheiro, como é que pode saber o que é melhor para fazer e cuidar de um complexo hospitalar?
H.D.P. – Eu já viajei para 21 países para estudar as melhores experiências em medicina humanitária. Enquanto meu pai era vivo, eu não me preocupava com a conduta clínica, desse processo de protocolos de medicina de primeira linha e tudo o mais. Quando ele morreu, aí veio a escola do meu avô. Como é que eu vou mandar nisso aqui se eu não sei nada sobre o que é medicina de câncer, só sei sobre gestão? Aí foi que eu peguei seis médicos por ano e comecei peregrinando. Comecei pelo MD Anderson, em Houston, que é o maior centro em oncologia do mundo. Agora, vamos assinar um protocolo de hospital-irmão. Vem o presidente do MD Anderson para o Brasil assinar comigo. Tenho orgulho de ver que um hospital brasileiro é parceiro do melhor hospital de oncologia do mundo. Depois, fui para o Saint Jude, nos Estados Unidos, que é o melhor centro de pediatria oncológica no mundo. É a mesma história, da minha e do meu pai. Foi criado por um libanês, Danny Thomas, um imigrante nos Estados Unidos, vendedor de roupas, que também não era médico e consagrou o hospital dele para São Judas, em 1960. Meu pai consagrou para São Judas, em 1960. Ainda é o hospital que detém 95% dos protocolos de oncologia clínica aplicáveis no mundo. A leucemia, que lá tem 96% de cura, no Brasil, tem 80%. É o maior centro de oncologia do mundo, em pediatria. Para adultos, o melhor do mundo é o MD Anderson. Hoje, os dois são hospitais-irmãos nossos.
Brasileiros – Quando você percebeu que estava no caminho certo?
H.D.P. – Em 1999. Quando o José Serra era ministro da Saúde, foi feita uma pesquisa entre sete mil e tantos hospitais públicos e privados que há no Brasil, fomos escolhidos como o “melhor hospital em humanização”. E o Serra então colocou todos os equipamentos que eu precisava na ampliação do hospital. A Fundação Pio XII tem hoje 70 mil m2 de prédios construídos e 500 médicos. Quando a gente fala do Hospital São Judas, que é o embrião da fundação, a gente fala de cuidados paliativos. Nesse campo, o São Judas é hoje o melhor hospital do País. Nós somos escola desse serviço no Brasil. Sob a minha administração, também temos um hospital em Porto Velho, Rondônia, e Jales, no interior de São Paulo. Estou descentralizando meu serviço, pois não temos como atender mais gente em Barretos. Vou levando a nossa experiência daqui, implantando hospitais fora para diminuir a distância percorrida por esse pessoal.
Brasileiros – Você tem ideia de quantas pessoas foram salvas pela Fundação Pio XII com a implantação do projeto do teu pai, só para dar uma dimensão do trabalho de vocês? Se fosse uma só a vida já teria valido a pena…
H.D.P. – Nós atendemos de 10 mil a 11 mil novos casos por ano. Nos últimos 20 anos, foram 200 mil pessoas. Isso só foi possível com a ajuda do povo, dos governos e de grandes empresas da iniciativa privada, como a Avon, a Scania, a Volkswagen e a Vale. São grandes colaboradores. Temos também outro parceiro importante que é o SESI, dirigido pelo Jair Meneghelli, o político mais presente na história do hospital. O BNDES também nos ajuda.
Brasileiros – E tem os artistas também…
H.D.P. – De Roberto Carlos para baixo, você pode falar de todos os grandes artistas brasileiros que ajudaram a fundação, com shows beneficentes e doações. Caetano, Ivete, Gugu, Sergio Reis, as principais duplas sertanejas… Alguns fazem até dois shows por ano para nós. Gravo CDs com 40 artistas todo ano, com renda revertida para o hospital. A primeira doação de equipamentos feita por um órgão público foi depois da pesquisa do Ministério da Saúde, no tempo do governador Mário Covas, que nos cedeu um acelerador nuclear. Temos hoje aqui investidos mais de US$ 30 milhões em equipamentos, o que tem de melhor no mundo, e mais R$ 150 milhões em construções.
Brasileiros – A fundação é uma parceria público-privada que deu certo?
H.D.P. – A Pio XII é uma fundação privada, mas com finalidade 100% pública. Para o custeio, temos verbas públicas e privadas. Estou construindo novas instalações até hoje. Minha bola da vez agora é o hospital pediátrico onde vou fazer uma homenagem ao ex-presidente Lula. Já temos um pavilhão com centro cirúrgico que recebeu o nome do ex-governador José Serra, em gratidão pela ajuda que nos deu no seu tempo de ministro da Saúde. O pavilhão com o nome do Lula eu vou inaugurar em dezembro. O Lula também ultrapassou a linha de um homem público normal, foi acima do normal, atendendo-me às vezes em audiências sem hora marcada, sensibilizado pelas minhas angústias. Quando não tinha dinheiro no Ministério da Saúde, ele viabilizou dinheiro do próprio Ministério da Fazenda. O Lula quebrou alguns protocolos e, por isso, eu quis homenagear essa pessoa que conheci profundamente, conheci seu coração como ser humano.
Brasileiros – Há dois anos está pronta a Faculdade de Medicina que você construiu em Barretos, para formar profissionais especializados que estão em falta mercado. Por que ainda não foi inaugurada? A escola fazia parte do plano do seu pai?
H.D.P. – O plano do meu pai era prevenção, tratamento e pesquisa em oncologia. Ele falou que o projeto só daria certo se tivessem essas três coisas, uma atrelada à outra. Quando completei 20 anos de experiência em gestão hospitalar, comecei a enxergar a necessidade de fabricar méritos. Por quê? Herdei do meu pai um acervo humano de 20 anos de trabalho no hospital e já estava fazendo 20 anos de gestão. Aí comecei a pensar como iria renovar a equipe. Não era questão de repor dois ou três médicos, mas encontrar 30 ou 40. Em uma faculdade convencional, 25% a 30%, no máximo, fazem opção para oncologia. Pensei em fazer alguma coisa que também pudesse colocar a marca do meu pai, essa escola de medicina humanizada que ele me ensinou, implantar um conceito muito mais profundo de medicina. Queria montar uma escola com o projeto de fazer convênios com os estados mais pobres, formar alunos com o compromisso de voltar com bolsa para os estados de origem. Consegui fazer dois convênios, um com Rondônia e outro com Mato Grosso. São estados que mandam muitos pacientes para Barretos, e eu queria formar os que optassem por oncologia.
Brasileiros – Desde quando você vem trabalhando no projeto da faculdade?
H.D.P. – Há quatro anos. Cuidando disso, tive uma das maiores decepções da minha vida. Financiei 50% do projeto no BNDES e coloquei 50% de recursos próprios. Coloquei nesse projeto 10 milhões meus e 8 milhões do BNDES. Faz dois anos que pago as prestações do BNDES. Cumpri rigorosamente 100% de todas as exigências, passei com nota máxima em todas as avaliações. E estou fechado porque não recebi até agora autorização do MEC para o funcionamento da escola que está pronta há dois anos, 100% pronta. Fiz tudo o que era para ser a melhor escola de Medicina do interior do País.
Brasileiros – É inacreditável essa história que está me contando. O que aconteceu?
H.D.P. – No passado, houve um erro que foi a abertura indiscriminada de muitas faculdades de Medicina sem estarem atreladas a hospitais. São condutas políticas do passado, e os inocentes pagam pelos pecadores. Faz cinco anos que não se abre uma nova faculdade de Medicina no Brasil. Tinha faculdade demais, colocando no mercado profissionais de má-formação. O Conselho Federal de Medicina adotou então um critério de punir o futuro, não deixando abrir mais escolas, quando o erro foi deles, no passado. Como a lei não permitia fechar faculdades, conseguiram só diminuir as vagas. Foi uma atitude louvável do ministro Adib Jatene, para evitar que continuassem formando médicos de má qualidade. O maior erro deles foi a demora em permitir que faculdades com nível de excelência fossem abertas. Hoje, faltam médicos em toda a cadeia de oncologia. No Estado de São Paulo, faltam 30% dos profissionais necessários para medicina de família, medicina básica. Hoje está assim, amanhã estará muito pior.
Brasileiros – Você está só esperando a autorização do MEC para abrir as portas?
H.D.P. – Sim, agora a minha escola já foi aprovada pelo Conselho Federal de Medicina por interferência de dois ministros da Saúde – o José Gomes Temporão, no governo passado, e o atual, Alexandre Padilha. Os dois ministros agiram corretamente. A aprovação saiu agora em julho.
Brasileiros – E a Faculdade de Medicina de Barretos começa a funcionar quando?
H.D.P. – O protocolo seguiu para o MEC, para ver se podemos funcionar, provavelmente, no ano que vem. Eu investi na educação e estou pagando um preço muito alto. Estou esgotando meus recursos financeiros por um projeto de interesse do País. Nunca pensei que eu iria pagar o preço que paguei, ficar com um elefante branco, um centro de altíssima performance de excelência e fechado. É uma escola para 180 alunos por ano: 60 de Medicina e 120 de Biomedicina. A Faculdade de Medicina foi a forma que encontrei de homenagear meu pai, não queria que pusessem o nome dele em nada no hospital.
Brasileiros – Quem vai dirigir a faculdade? Já tem um nome?
H.D.P. – É o doutor André Lopes, responsável pela área de pesquisa do hospital. Montei um laboratório de Biologia Molecular e, como não encontrei um profissional com o nível acadêmico de que precisava, trouxe um de Portugal, o professor Braga. Para o projeto de Medicina Robótica, importei um da França, com o mesmo nível salarial dos professores de Medicina que tem aqui no Brasil. Tudo que preciso, eu arrumo. Isso está dentro da minha concepção de fé, pois não tenho competência nenhuma para encontrar essas pessoas. A minha equipe consegue me ajudar a arrumar em qualquer parte do mundo a pessoa certa na hora certa. E é preciso prover recursos tecnológicos de ponta para eles. Dou um exemplo muito simples: você oferece para o melhor cavaleiro do mundo um cavalo pangaré e ele não salta. Mas se você oferecer a ele o melhor cavalo e a melhor cela, ele saltará mais alto. O que acontece é isso. Às vezes, as coisas não casam.
Brasileiros – Se e quando você finalmente abrir a faculdade, o que fica faltando naquele sonho de que você falou no começo da saga da tua família?
H.D.P. – Já está acontecendo uma coisa impressionante. É o peso dessa credibilidade que eu tenho. Depois de uma simples matéria no Jornal Nacional da Rede Globo, um investidor privado ofereceu 20 milhões para eu montar dois centros de diagnóstico de câncer no Mato Grosso do Sul para a população do SUS. É um serviço público 100% financiado e custeado pelo dinheiro privado. Aí, eu me pergunto: eu estava preparado para isso? Na minha concepção de fé, tenho de continuar, porque isso vem de encontro com a minha necessidade de descentralizar o meu serviço. O que mais me entusiasma hoje é poder espalhar esse projeto pelo Brasil, com a força da iniciativa privada e dos governos que tiverem essa mesma vontade. Os governadores da Bahia, de Rondônia e Mato Grosso já vieram até Barretos para buscar parceria.
Brasileiros – Nesses 20 anos em que você pegou à unha o touro do hospital, qual foi a sua maior vitória?
H.D.P. – Foi trazer para o Brasil uma filial do IRCAD, o mais importante centro de pesquisa, desenvolvimento e treinamento em medicina por videolaparoscopia e robótica do mundo, que só tem laboratórios em três países e queriam levar para a Argentina. A matriz é na França. Entre os países de língua hispânica, a melhor oferta tinha sido a da Argentina. Depois que já tinham iniciado os trabalhos de terraplanagem em Buenos Aires, fui à França com dois médicos. O presidente do centro olhava para a cara dos dois médicos que traduziam o que eu falava e ficou cético, não sentia nada. Dei uma dura nos médicos, falei que eles não estavam traduzindo direito o que eu dizia. Aí, o francês viu que eu estava bravo e disse: “Então, fala você bem devagar em português”. Olhei nos olhos dele e disse: “Vim aqui por causa da parte humana desse projeto. O Brasil é cem vezes maior e mais importante que a Argentina, pela sua dimensão territorial e social. Quero que os pobres do meu País tenham o mesmo atendimento dos ricos. Só elite tem essa medicina? Por quê? Vou oferecer treinamento de graça para médicos de hospitais públicos. Para isso, tenho aliados: o presidente Lula e o governador José Serra. Ainda menti na hora, prometendo que, se passasse pelo Brasil antes da Argentina, seria recebido no mesmo dia pelo Serra e pelo ministro da Saúde José Gomes Temporão. Apostei na minha amizade com eles. E não é que o homem, antes de ir para Argentina, veio ao Brasil e eu consegui fazer o Serra atender o francês de manhã, e o ministro da Saúde, à tarde. Inauguramos esse centro em 9 de julho. Só com uma empresa assinamos contrato para fornecimento de equipamentos e manutenção no valor de US$ 80 milhões por dez anos. Hoje, recebemos 120 médicos por semana em Barretos, 35% vindos de países da América do Sul. Já é o maior centro do gênero na América Latina. Veio TV francesa, o ministro da Indústria e Comércio da França, ministro da Saúde da Alemanha, só não veio representante do governo brasileiro.
Brasileiros – E eu não vi nada disso publicado em lugar nenhum…
H.D.P. – Sabe o que eu acho verdadeiramente de tudo isso? Que sou realmente uma pessoa abençoada por Deus. Porque, hoje, eu não tenho ninguém na medicina para me orientar, mas sempre tomei o rumo certo. Agora, tive humildade de andar pelo mundo inteiro para entender o que é medicina, para poder saber para que lado vou. No Brasil, conheço todos os serviços, e tenho humildade de pedir ajuda para todo mundo. Não somos melhores que ninguém, mas apresentamos os melhores resultados de pesquisa oncológica de todos os centros que existem no País, de protocolos médicos, de humanização da medicina, de tudo que você imaginar. Não sou eu que falo. Quem é que fala? É a pesquisa dos hospitais brasileiros feita pelo Ministério da Saúde e o povo.
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