Um industrial na sala de aula

Legado. Sem filhos, Arena deixou a fundação como herdeira única de sua fortuna. Foto: Fundação Salvador Arena/Divulgação
Legado. Sem filhos, Arena deixou a fundação como herdeira única de sua fortuna. Foto: Fundação Salvador Arena/Divulgação
No momento em que o governo provisório de Michel Temer ameaça reduzir recursos da Educação, uma história paulista comprova que investimento em ensino é fundamental. Salvador Arena foi um engenheiro industrial. Não participou de cargos públicos, mas teve a visão de que um país precisa de boa educação para avançar.

A Fundação Salvador Arena funciona em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, desde 1964, e, antes de morrer, em 1998, o industrial deixou em testamento que a fundação seria herdeira universal e única de todo o seu patrimônio. Eram prescrições expressas nos estatutos de que a fundação deve “cooperar e envidar os esforços possíveis para a solução dos problemas de educação e assistência e proteção aos necessitados, sem distinção de nacionalidade, raça, sexo, cor, religião ou opiniões políticas em caráter geral”.

Chão de fábrica. Arena começou seu negócio com apenas US$ 200, indenização que recebeu da Light. Foto: Fundação Salvador Arena/ Divulgação
Chão de fábrica. Arena começou seu negócio com apenas US$ 200, indenização que recebeu da Light. Foto: Fundação Salvador Arena/ Divulgação

A vida de Arena sempre correu em meio a peças de máquinas, ferramentas e conhecimento. Nascido em Trípoli, na Líbia, chegou ao Brasil em 1920, aos 5 anos de idade, acompanhado dos pais, Nicola e Giudita. Aqui, o casal abriu uma oficina mecânica para o processar sucata de metais. Formou-se engenheiro pela Poli e, aos 27 anos, com os US$ 200 que recebera de indenização de seu emprego na Light decidiu abrir a Termomecanica São Paulo S.A., indústria voltada para a produção de barras, vergalhões, fios e tubos. Hoje, a empresa está entre as 500 maiores do Brasil e é líder no setor de transformação de metais não ferrosos.

Com o sonho de melhorar a educação pública do Brasil, Arena primeiro pensou em produzir material didático para oferecer às escolas. Como não houve interesse do governo, ele resolveu abrir uma escola dentro da própria fábrica para atender aos seus funcionários. Comprou 150 cadeiras e mesas e contratou professores de Matemática, Português e Ciências da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie. Os trabalhadores iam para a escola depois do expediente.

O projeto, no entanto, ultrapassou as paredes da Termomecanica. Em 1989, Arena reuniu um grupo de educadores e montou um colégio para atender à comunidade de São Bernardo do Campo e cidades vizinhas. Assim começou a ser construído o Centro Educacional Salvador Arena.

Atualmente no Colégio Termomecanica são atendidos 1.769 alunos gratuitamente na educação básica. O processo de entrada acontece por sorteio da loteria federal, e metade das vagas é dedicada a famílias que ganham até um salário mínimo per capita. As mais concorridas são as que surgem por transferência de alunos ou repetição de ano. O índice de reprovação é de 2%, mas quem não consegue passar de ano é obrigado a sair da escola. Segundo a diretora pedagógica do colégio, Cristina Favaron Tugas, para cada duas vagas remanescentes o colégio recebe em torno de dois mil inscritos, que são selecionados pelo histórico escolar e uma redação. O colégio ficou em primeiro lugar no ABC no Enem de 2014 e entre os cem melhores do País.

O industrial também ficou conhecido por sua gestão avançada em termos de valorização dos funcionários. Ele criou, por exemplo, uma política salarial diferenciada, concedendo participação nos lucros e remuneração por produtividade. Antes de ser estabelecido o 13º salário, Arena já pagava um adicional ao fim do ano. Além disso, criou uma cooperativa de crédito, com juros subsidiados, para que os seus funcionários tivessem uma alternativa às altas taxas do mercado.

Hoje, os alunos da educação infantil e do ensino fundamental contam com período integral de ensino e diversas aulas extracurriculares, como Agricultura, Cerâmica e Modelismo. Também é desenvolvida uma alimentação saudável para os estudantes. Nas aulas de Agricultura, as crianças aprendem sobre o plantio e a adubagem de plantas e consomem os alimentos que elas próprias plantam.

Já o ensino médio, que funciona nos períodos matutino e vespertino, proporciona aulas como robótica e programação. Em 2015, o Colégio Termomecanica participou do Festival Sesi de Robótica First Lego League, que integra a WorldSkills São Paulo, maior competição de educação profissional do mundo. A prova na qual era preciso construir robôs que auxiliam no processamento de lixo reuniu 16 equipes e a escola conquistou o nono lugar.

Segundo Cristina, a metodologia segue uma linha humanista: “Todos os anos do ensino básico têm aulas de Filosofia, por exemplo, para que os alunos reflitam sobre questões éticas e valores como altruísmo e solidariedade”.

Além da educação básica, a fundação tem projetos no ensino técnico e superior. Na Faculdade de Tecnologia Termomecanica (FTT), criada em 2002, são formados em média 240 alunos por ano, sendo que 23% dos estudantes vêm do colégio da mesma instituição. Assim como o colégio, a FTT é gratuita e oferece cursos superiores de Tecnologia em Mecatrônica Industrial, Alimentos, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Processos Gerenciais, além de cursos bacharéis em Administração, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Computação e Engenharia de Controle e Automação.
Os processos seletivos ocorrem duas vezes ao ano. Todos os alunos são uniformizados. “Não queremos que ninguém seja julgado pela renda ou pelo que possui”, diz o diretor da faculdade, Wilson Carlos Júnior. No ensino superior as vagas são preenchidas por um processo de seleção feito pela Unesp, e metade dos lugares também é reservada para quem tem uma renda familiar de até um salário mínimo per capita. Muitos dos formados são absorvidos pela própria Termomecanica.

O Centro Educacional possui ainda o Teatro Engenheiro Salvador Arena, com capacidade para 600 pessoas. O cantor e compositor Toquinho se apresentou na inauguração do espaço. O investimento anual da fundação na faculdade é de R$ 25 mil por aluno. No colégio, ele alcança R$ 20 mil, o que equivale ao valor investido em países como Alemanha, Japão e Reino Unido. Mas supera a taxa brasileira, que é de cerca de R$ 10 mil.

Centro educacional. O Colégio Termomecanica teve o melhor desempenho de São Bernardo na prova do Enem de 2014. Foto: Fundação Salvador Arena/ Divulgação
Centro educacional. O Colégio Termomecanica teve o melhor desempenho de São Bernardo na prova do Enem de 2014. Foto: Fundação Salvador Arena/ Divulgação


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