Foto: Luisa Sigulem |
Antigos Sucessos: Germano Mathias “tira” um som da tampa da lata de graxa e alguns de seus principais trabalhos |
O sambista Germano Mathias sabe que é um personagem. “Faça a entrevista lá em casa, só me avisa antes para eu fazer a barba e colocar a minha roupa de malandro. Vou até estrear uma camisa”, disse. O senhor de 75 anos que estava de bermuda na sala de seu pequeno apartamento no Jaraguá (zona norte paulistana), fazendo palavras cruzadas, cercado de dicionários, volta de chapéu preto, camisa listrada, calça social, meia social cinza e sapato. “É de couro legítimo de chupa-cabra”, brinca.
Dias antes, havia se apresentado no Mercado Municipal paulistano, na festa de aniversário da cidade. Sem cachê para levar sua banda, ele cantou com os músicos que acompanham Jair Rodrigues, que se apresentou em seguida. Não houve tempo para ensaio algum, apenas uma rápida conversa antes de subirem ao palco.
Os músicos não conheciam o repertório do cantor, que recitava a letra até que eles conseguissem acompanhá-lo. Entre causos e piadas, o improviso foi disfarçado. “O dinheiro que ofereceram pelo meu show era pouco, mas sabe como é: melhor comer uma vez por dia do que uma vez por semana”, contou depois.
Segundo ele, na última década até que as coisas melhoraram. Sua trajetória rendeu o livro Sambexplícito (editora A Girafa), escrito por Caio Silveira Ramos e lançado no ano passado. Além disso, lançou dois CDs nesse período, Talento de Bamba e Tributo a Caco Velho, e o DVD Ginga no Asfalto, mesmo nome de um dos seus primeiros LPs. “Em 1957, ganhei o Prêmio Roquete Pinto pelo disco Um Sambista Diferente, depois disso só ganhei pinto mesmo”, brinca. Em 1999, havia sido tema de um documentário, O Catedrático do Samba, e gravado ao lado do amigo Osvaldinho da Cuíca, um CD em que cantam “A História do Samba de São Paulo”. “Catedrático do Samba”, aliás, conta ele, foi um apelido inventado para ele pelo radialista Randal Juliano.
Sucesso mesmo fez durante os anos 1950 e 1960. O começo, cita com precisão, foi quando venceu o programa de calouros Procura-se um Astro, da Rádio Tupi, “tempo em que o Adão era cabo do Exército”, diz. Passou do rádio para a TV e chegou até a apresentar um programa, Nosso Ritmo é Sucesso, na TV Globo de São Paulo. “Depois veio o pessoal do iê-iê-iê (jovem guarda) e fiquei mais por fora que o bumbum de uma mulher gorda sentada em um penico”, recorda. Nesse tempo chegou até a largar a carreira artística. “Fui ser oficial de Justiça. Fiquei seis meses na profissão. Fui com a polícia prender um cara chamado Mané da Pedra, que tinha esse apelido porque ficava fumando maconha em cima de uma pedra. Ele e os policiais começaram a trocar tiros e eu dei no pé. A vida de sambista é mais difícil, mas é menos perigosa”, conta aos risos.
Afinal, ele sabia se virar desde a época em que era o Branquinho Pixaim, que frequentava as rodas de samba dos engraxates. Lá, a música e os jogos de tiririca (a versão paulista da capoeira) não tinham hora para terminar e geralmente quem acabava com a farra era a polícia, que ia dispersar aqueles negros festeiros. Toniquinho Batuqueiro, amigo de Germano Mathias desses tempos, conta que era raro ver brancos no meio da bagunça. “Tinha alguns, mas só ia quem se garantia na pernada mesmo”, lembra. Modesto, Germano Mathias diz que “caiu bastante e aprendeu a derrubar de vez em quando”.
Do samba dos engraxates, ele trouxe o instrumento que marca suas apresentações: a tampa de lata de graxa. Nessa época, conheceu também o sambista gaúcho radicado em São Paulo Caco Velho, uma influência que o acompanha até hoje, com direito até a quadro na sala de seu apartamento. Nascido no Pari, na zona leste, filho de um português com um uma carioca, ele tem uma “explicação” para o seu gosto por samba. “Sou descendente de negros por parte de um vizinho dos meus pais”, fala.
Mais ou menos negro, o sambista criou seu estilo. Canta sincopado, imita instrumentos, dança e faz caras e bocas. “Hoje, parece que o cantor está brigado com os músicos, cada um está lá no palco fazendo uma coisa”, critica. Mesmo quando está explicando as diferenças na música, não consegue ficar parado para dizer como faz seu ritmo. “A lata de graxa, na verdade, só dá um tempero”, explica. O jeito fez tanto sucesso durante uma época, que os colegas brincam que era comum ver nas rodas de samba malandro com voz potente de barítono querendo imitar o jeito de cantar de Germano Mathias, com aquela voz tratada por ele mesmo como “fraca e fina”.
Menos personagem, o sambista mostra arrependimento quando fala do dinheiro que ganhou na melhor fase de sua carreira. “Gastei muito com farras e nas apostas nos cavalos. Acho que podia ter aproveitado, sem deixar de me preocupar com meu futuro. Comprei carros, mas nunca pensei em comprar um apartamento, por exemplo”, afirma.
No final dos anos 1970, Germano Mathias voltou a aparecer bem com a gravação do disco Antologia do Samba-Choro, em parceria com Gilberto Gil. Para colegas, a personalidade forte também atrapalhou a carreira do sambista, principalmente nas duas décadas seguintes. Mesmo durante a entrevista, dá para perceber que Germano Mathias não é fácil. Enquanto posava, ele reclamou do excesso de fotografias e de algumas sugestões de imagens produzidas. “Acho que uma fotografia assim não tem nada a ver, não vou fazer”, reclamava.
Mas logo em seguida, ele retoma o bom humor para contar a história de onde mora há 15 anos. “Eu precisava sair do apartamento em que morava, na esquina das Avenidas Cásper Líbero e Ipiranga, no centro da cidade, quando fui fazer um show para a dona Ika Fleury, na época primeira-dama do Estado”, afirma.
O cantor sabia da construção de novos conjuntos habitacionais da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e foi conversar com a mulher do governador. “Disse que tinha uma mulher que me ajudava muito, que cuidou de mim quando eu estava doente e que ela precisava de um apartamento em um conjunto habitacional para morar. Só não contei que esta mulher é a minha esposa”, diz. “Quem ia acreditar que eu precisava de um apartamento do CDHU para morar?”
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