Messias não fazia ideia de que aquele “quebra-galho” daria outro rumo a sua vida. Escolhia prédios comerciais grandes e subia andar por andar, tentando vender simpatia e livros a advogados e outros profissionais liberais. Formou uma clientela fiel, que passou a lhe encomendar obras. Percorria os três sebos da cidade e cobrava uma comissão pelo que encontrava.
Um dia, ao visitar um cliente, encontrou a mulher dele, que, aos prantos, comunicou que o marido havia morrido. Ela não tinha destino para os cinco mil volumes que herdara. Messias, então, comprou o lote em dez cheques pré-datados. Depois de vender parte desse acervo, alugou uma saleta no primeiro andar do número 182 da Praça João Mendes, centro velho da cidade, perto do Palácio da Justiça. Para lá atraiu boa clientela. O Sebo Messias cresceu tanto que o livreiro alugou mais três cômodos e, mais tarde, ocupou quatro andares e uma antessala no térreo – ele percebeu que muita gente não se animava a subir as escadas. Em seguida, mudou-se para um ponto na Rua da Glória, e depois inaugurou outras quatro lojas.
Estabeleceu-se com fama de ser uma mina de bons livros e preços acessíveis. Até que veio a internet, e o empresário teve de reinventar seu negócio. Em 2005, inaugurou a loja virtual, de modo ambicioso, com a pretensão de formar clientes no País e no exterior. Os resultados foram estrondosos e o levaram a fechar duas lojas e alugar um estacionamento de dois pisos, onde montou o acervo do site, que tem hoje 160 mil livros, além de milhares de revistas, CDs e DVDs. Como bom comerciante, Messias não fala em faturamento e esconde os números do site, que, diz ele, “é o maior sebo virtual da América Latina”. O empresário sabe que fecha todo mês no verde. Pelo código de vendas, é possível fazer a conta: mais de 530 mil transações, média de 70 mil por ano.
Mas Messias nunca está satisfeito com seus negócios. Nada menos que 900 novos produtos são acrescentados de segunda a sexta-feira no site. “Tem livreiro que deixa de dormir para esperar nossas ofertas”, afirma Daniela Coelho, filha do livreiro. Ela é uma das responsáveis pela equipe de 35 pessoas que faz o portal funcionar – a unidade física tem 13 pessoas. Antes de ser colocado à venda, cada livro tem a capa escaneada, é pesado e fichado. Seguem para o plano virtual apenas volumes em bom estado de conservação.
Há alguns anos, Messias montou ainda um saldão (funciona na Rua Doutor Rodrigo Silva, 63, Bela Vista), formado por 15 mil volumes que custam, cada um, R$ 1,99. Com paciência, é possível encontrar preciosidades, como quase toda a coleção da Revista da Civilização Brasileira. “Faço muita propaganda em jornais, revistas e guias de programação, e nossa renovação de estoque é grande, criamos a certeza de que todos os dias os clientes vão encontrar novidades, tanto na loja quanto no site”, diz ele, em meio a dois telefones, que não param de tocar. Ou são clientes que perguntam por livros específicos ou pessoas que querem se desfazer de acervos.
Uma única vez Messias foi parar em uma delegacia depois de adquirir um lote roubado. “Tenho medo de comprar aqui no balcão.” Ele prefere que as três peruas que circulam diariamente pela cidade tragam os livros. Elas são dirigidas por funcionários a quem ele confia cheques em branco para fechar as compras – as visitas são agendadas por telefone. O livreiro diz atender 400 pessoas por dia. Não revela os gêneros que têm valor para não inflacionar o mercado, mas entrega o que realmente não compra: enciclopédias, livros de Medicina com mais de cinco anos e didáticos superiores a três anos. O mesmo acontece com os técnicos. Se vende barato, pago pouco.
Modesto, Messias afirma que se dá bem com os colegas do meio. “Não especulo, ponho preço para deixar o freguês feliz e voltar.” A peculiaridade pode ser percebida por quem frequenta regularmente os concorrentes. Muitas lojas colocam preços altos e passam a maior parte do dia com pouco movimento. Messias vende título recém-lançado 70% a menos do valor real. “Quero as prateleiras esvaziadas para que tenhamos espaço para os que estão chegando.”
Lembranças esquecidas
Em 44 anos de compra e venda de livros, Messias Antônio Coelho encontrou incontáveis objetos esquecidos dentro dos livros, que guarda em caixas sob o balcão de seu escritório. Tem de tudo: notas de dinheiro que perderam o valor ou viraram raridade, recortes de jornais e revistas sobre o próprio livro, fotografias de famílias, de casamento ou de casais apaixonados, cartões-postais, flores prensadas e, claro, bilhetes e cartas de amor. Ele até mostra alguns de seus achados, mas não deixa ninguém olhar o verso, em respeito à intimidade das pessoas. “São recortes do passado de pessoas que gostariam de ser preservadas, creio.”
A onda virtual
O negócio dos sebos no Brasil, praticamente, foi reinventado com a criação do portal Estante Virtual, em 2005, que congrega mais de 1,3 mil lojas no País, com um acervo de 11 milhões de unidades. O programa que viabiliza o negócio é aparentemente simples: ao digitar o nome da obra ou do autor, o sistema dá uma busca em todos os pontos do País e apresenta o local onde pode ser adquirido, além do preço. O comprador tem a opção de ordenar por preço, do mais barato ao mais caro e vice-versa, para fazer comparações. O Estante Virtual promete economia média de 52% em relação aos preços das livrarias convencionais. Embora tenham surgido sites semelhantes, nenhum conseguiu ainda desbancá-lo. Para Messias, que não participa dessa rede, a vantagem da loja virtual individual é não ser surpreendido com mudanças nas regras e ser obrigado a segui-las.
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