Uma intérprete ideal

Fernanda Couto é uma dessas talentosas atrizes que estão aí há algum tempo, mas pouca gente ouviu falar. Formada pela Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo (USP), ela participou do Grupo de Teatro de Repertório do SESI de Santa Catarina e de algumas elogiadas montagens, como A Festa de Abigaiu, de Mike Leigh, com direção de Mauro Baptista Vedia, além de passagens pelo cinema e televisão. Pelo espetáculo Nara, recebeu uma indicação pela Associação Paulista de Críticos de Arte no ano passado. Merecia o prêmio, pois muito da força poética da peça se deve a sua presença cênica e sua bela voz. A atriz nos concedeu a entrevista exclusiva para o site da Brasileiros por telefone, de sua casa em São Paulo. Leia os principais trechos.

Brasileiros -Como nasceu essa vontade de fazer um espetáculo em homenagem a Nara Leão?
Fernanda Couto –
Na verdade, eu só cheguei a esse espetáculo por causa de uma pesquisa que estava fazendo sobre Música Popular Brasileira. Teve um dia que eu acordei com o nome da Nara Leão na cabeça. Isso me intrigou muito. Eu não sabia quase nada sobre a Nara. Sabia muito pouco, o que o senso comum sabe: que ela foi a Musa da Bossa Nova, uma cantora tímida. Aí, quando comecei a ler as biografias do Sérgio Cabral e, depois, do Cássio Cavalcante, além de material pesquisado na internet, fiquei encantada com a figura dela. Não era uma fã da Nara, apesar de sempre ter gostado do seu repertório. Mas hoje realmente sou uma fã, porque admiro o trabalho dela, enquanto artista, no sentido mais amplo, não só como cantora, mas pelas escolhas de vida também. Depois disso, o trabalho começou a crescer. Então, eu voltei às minhas pesquisas de repertório da MPB, que eu tinha guardado. Havia gravado quase tudo. Aí, realmente assinou embaixo que minha escolha de um projeto teatral teria de passar pela Nara. Escrevi o texto, juntamente com Marcinho (Márcio Araújo), que também dirige o espetáculo, e cá estamos (risos).

Brasileiros – Como vocês encontraram o tom da peça?
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F.C. – O tom tinha de ser muito coerente com a figura da Nara. Quando ficamos sabendo que seria um musical, que íamos cantar algumas músicas que Nara gravou, não podíamos ter uma referência americana (de musicais da Broadway) e nem do nosso Teatro de Revista. Tinha de ser uma coisa muito única, porque a Nara era uma artista única. Na verdade, eu parti do repertório da Nara, do que achava que tinha de ter de canções que ela gravou. Essas músicas guiariam o espetáculo, não só como repertório musical, mas também como dramaturgia.

Brasileiros – No espetáculo, emergem muitas descobertas sobre a carreira da Nara. E uma dessas descobertas é essa Nara fora do lugar a que lhe foi reservado, que seria a Musa da Bossa Nova. Ela era uma cantora livre, que cantava o que achava que tinha de cantar. Essa liberdade artística a surpreendeu?
F.C. –
Muito, muito, como eu acho que ela surpreendeu a todos, sempre. Todo mundo esperava que a Nara fosse somente uma cantora de Bossa Nova. Eu achava isso. Mas não, a Nara cantava Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Roberto Carlos. Realmente, tem esse caráter de surpresa a trajetória artística da Nara. Essa condição trilhou a sua carreira inteira. Ela era muito antenada com o seu tempo.

Brasileiros – Você acha que a Nara anda esquecida?
F.C. –
Acho que sim, porque a gente ouve falar de artistas como Elis, Raul, e a Nara a gente não ouve falar. Eu acho que ela tem uma coisa muito bonita, enquanto artista, que era a característica de quase uma antiestrela. Ela trabalhou muito, fez muitas coisas, construiu parte da história da MPB, mas sem histrionismo. Nara fugia dessa atitude. Ela encarava a profissão como um ofício, que tinha coisas boas e ruins, como qualquer outro. Não sei se isso colaborou para esse esquecimento. Mas sei que a imprensa e a mídia, de forma geral, gostam muito da Nara, porque nós estamos com espaço para falar do nosso espetáculo e dela.

Brasileiros – O primeiro LP da carreira da Nara foi dedicado a sambistas cariocas, em 1964, o que ninguém esperava, já que ela era conhecida pelo contato com o pessoal da Bossa Nova. Pesquisando sobre a Nara, me atreveria a afirmar que isso aconteceu por causa do rompimento traumático de seu noivado com Ronaldo Bôscoli, um dos compositores e expoentes da Bossa Nova.
F.C. –
Acho que sim, apesar de Sérgio Cabral, um dos biógrafos da Nara Leão, achar que não. Eu acho que sim, nem que seja indiretamente.

Brasileiros – Apesar de Nara ter gravado quase todos os gêneros da música brasileira, ela tinha uma essência bem Bossa Nova, não acha?
F.C. –
Ela era Bossa Nova. Nara pode ter passado por todos os outros movimentos, mas ela realmente tinha uma essência, um jeito de cantar, típico da Bossa Nova. Mesmo ela cantando um samba, se percebe esse jeito de interpretar.

Brasileiros – Alguma passagem ou fato da vida da Nara Leão que você não pôde colocar no espetáculo, em decorrência de qualquer espécie de censura? Pergunto isso porque na minissérie sobre a vida da cantora Maysa que a Globo levou ao ar, o nome de Nara não foi colocado quando se falou sobre o rompimento do noivado do Ronaldo Bôscoli.
F.C. –
Eu fiz escolhas. E parti muito do que a própria Nara tinha dito na imprensa, o que ela tinha aberto. Então, me pautei muito nessas entrevistas que ela deu. Quando deixei de falar em determinada coisa ou passagem da vida dela, foi por causa dessas escolhas. Não tivemos nenhuma censura em relação à criação, porque parti do que ela tinha revelado na imprensa. A censura prévia seria da própria Nara.

Brasileiros – Alguém da família da Nara assistiu ao espetáculo?
F.C. –
Com a família, na verdade, a gente tratou por meio de um escritório de advocacia, para conseguir os direitos sobre a imagem da Nara. Mas, sinceramente, eu não tenho nenhum conhecimento de que alguém da família tenha visto ao espetáculo ainda. Espero, e muito, que alguém possa assistir e gostaria de saber o que achou.

O canto livre de Nara


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