Uma nova “família margarina”

Quando o segundo casamento chegou ao fim, a cenógrafa Paula Izzo tomou uma importante decisão: mergulhar no trabalho e guardar o tema “vida afetiva”, questão vital para nove entre dez mulheres, por um tempo dentro da gaveta. A proposta de deixar a preocupação com os homens de lado e apostar na carreira seguia sem sobressaltos até, nos bastidores de uma peça de teatro, o caminho de Paula cruzar com o da atriz e dentista Mariana Elisabetsky.

Para Paula, que até então nunca havia namorado mulheres, Mariana surgiu na figura de uma amiga amável e divertida. Já para Mariana, que se descobriu homossexual aos 17 anos, o encanto por Paula foi imediato. E ela precisava agir. Com a peça prestes a entrar em cartaz, a cenógrafa terminaria sua parte no trabalho e, literalmente, sairia de cena. Por isso, Mariana não tinha mais que 15 dias para convencer Paula a experimentar um até então inédito encontro amoroso. Como a cenógrafa não entendeu facilmente as investidas da atriz, Mariana teve de ser mais enfática, até Paula perceber suas reais intenções. Foi pega de surpresa, é claro, mas não entrou em pânico, não teve crise e simplesmente se perguntou: “Por que não?”.

Já se passaram dois anos e meio desde o dia em que Paula deu uma resposta – e possibilidade – afirmativa para si mesma e passou, pela primeira vez na vida a noite com uma mulher. E foi com essa mulher que realizou o sonho embutido desde cedo na cabeça de toda garota: o de casar e, sim, ter filhos. Paula e Mariana são mães, no plural, dos gêmeos Gael Izzo Elisabetsky e Mia Izzo Elisabetsky, que completaram seis meses de idade neste mês de junho. “Sim, foi tudo muito rápido”, recorda Mariana.

Entenda por rápido um novo comunicado enfático de Mariana feito já no primeiro mês de namoro: “Eu quero ser mãe e logo”. Paula, naturalmente, recebeu a notícia com algum susto, mas novamente não entrou em pânico, deixou a vida fluir e dois meses depois disse o sim que Mariana tanto esperava. “Eu sempre quis ser mãe, sempre pensei nessa coisa de barriga, do parto, da amamentação, de família, mas não sabia exatamente como seria isso, afinal, eu sempre namorei mulheres”, recorda a atriz. Já para Paula, a maternidade não era uma questão presente, estava guardada na gaveta do futuro que Mariana chegou para revirar.

Com a certeza de que uma era a mulher da vida da outra, aos oito meses de namoro Paula e Mariana foram morar juntas e, diferentemente do que costuma acontecer nessas ocasiões, se casaram com a bênção de ambas as famílias. A homossexualidade de Mariana, hoje com 32 anos, era conhecida desde a adolescência e nunca foi um problema para os pais. Já Paula, 36, que descobriu o amor por uma pessoa do mesmo sexo depois dos 30, ouviu da mãe uma frase bem comum em ocasiões como esta: “Filha, eu tenho tanto medo que você sofra…”. Mas logo a mãe percebeu que Paula, a apaixonada e tão bem correspondida, estava mais feliz do que nunca. “Nós duas tivemos muita sorte, nossos pais têm a cabeça aberta, nossos amigos também, nunca nos deparamos com isso de não sermos aceitas”, comemora Mariana.

Foi de posse desse grande sim familiar que Paula e Mariana partiram em busca de um médico que as ajudasse com o processo de reprodução assistida. A discussão sobre de quem seria a barriga não existiu, afinal, esse era um dos maiores desejos de Mariana. O médico recomendou o processo de fertilização in vitro e elas encontraram a porção masculina necessária em um banco de sêmen de doadores anônimos.

Mariana engravidou, de gêmeos, logo na segunda tentativa e, 40 semanas depois, em dezembro de 2010, chegaram ao mundo Mia e Gael. “Nossos filhos não têm pai, eles têm duas mães. Eu sou a mamãe, a Paulinha é a mami. Às vezes, a gente se confunde, acho que eles também vão se confundir, mas tudo bem”, diz Mariana, com o pequena Mia no colo, enquanto Paula sobe para o seu ateliê para colocar o trabalho em dia e Mia fica sob os cuidados da mãe de Mariana, que baba pelos netos tanto quanto – ou mais – que qualquer avó deste mundo.

A rotina, como de qualquer família de gêmeos, é insana. Os bebês são alimentados exclusivamente com o leite materno, o que faz com que Mariana fique acordada boa parte do tempo, mas a felicidade, beleza e delicadeza dos seus gestos e o charme das sardas não dão espaço para as olheiras. Na divisão de tarefa, à Paula, com seu ar de menina mignon, sutil e de fala suave, cabe atender aos outros chamados como manhas e troca de fraldas.

Mas a alimentação dos filhos não foi uma exclusividade de Mariana, Paula também amamentou os gêmeos por dois meses. O médico indicou um tratamento que utiliza um medicamento que tem como efeito o acúmulo de prolactina, dessa maneira a produção do leite pode ser estimulada com o uso diário, constante – e dolorido – de uma bomba de sucção. “Foi um trabalho insano, mas comecei a ter leite antes mesmo de as crianças nascerem e ajudei a amamentar a Mia e o Gael nos primeiros dois meses de vida deles. Não imaginava que isso seria possível e foi uma das experiências mais incríveis da minha vida”, diz Paula, visivelmente emocionada.

Donas de uma casa de boneca, com direito a quintal, rede, flores e hortaliças, Paula, Mariana, Gael e Mia formam o retrato de uma família visivelmente feliz. Mas elas sabem que, infelizmente, fazem parte do quadro de exceções dentro de um universo ainda marcado pelo preconceito. Comemoram a decisão do Supremo Tribunal Federal de validar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e pretendem usar esse direito, mas sabem que ainda existe um longo caminho pela frente: “O Gael e a Mia estão registrados apenas como meus filhos, como seu eu fosse mãe solteira. Eles têm o sobrenome da Paula, mas só porque o cartório entendeu como se fosse um segundo nome das crianças. Pela lei, a Paula não tem qualquer relação com eles”, lamenta Mariana.

E a maneira de Paula e Mariana de contribuir para essa “causa” é dando a cara para bater e falando, sempre, a verdade. Aos filhos contarão a história exatamente como foi. Na rua, quando são indagadas com a pergunta: “De quem são esses bebês tão lindos?”, respondem “das duas”, e não se furtam aos convites de revistas, jornais, debates e programas de TV. Afinal de contas, Paula e Mariana sabem que mais do que uma história incomum, elas têm uma grande história de amor para contar.


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