Ir ao teatro para assistir a uma nova versão de um espetáculo que marcou positivamente a nossa vida cultural gera no mínimo uma insegurança imensa. A situação é mais dramática quando a primeira versão tinha em cena Marco Nanini e Ney Latorraca, dois mestres da arte de interpretar. Dois monstros sagrados na arte de fazer rir.
A qualidade da montagem será a mesma? Será que vou me divertir como há 20 anos? Será que os atores que estão interpretando os papéis perpetuados por aquela dupla de atores considerada imbatível vão dar conta do recado? Será que aquela cena vai ser tão prazerosa como foi da primeira vez em que a vi? Será que eles vão conseguir fazer tudo aquilo? O texto envelheceu? Será que será?
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Acredito que é assim que reagem os que vão ao Teatro Frei Caneca rever Irma Vap, de Charles Ludlam, direção de Marília Pêra, que também assinava a primeira montagem.
O mais complicado de se estar na estrada há muito tempo, é que começa a pipocar na sua frente aquela fila interminável de remontagens. E não apenas no teatro. No teatro falado apenas os clássicos tinham esse direito e são reencenados sempre dependendo da idade dos atores. A certa altura da carreira alguém decide: “Estou pronto para fazer Hamlet“, depois de um tempo é o momento de “estar pronto para interpretar Édipo“, até chegar ao “estar pronto para o Rei Lear“. Poucos vivem tempo suficiente para cumprir todas essas etapas, principalmente a última.
Hoje as remontagens populares tomam conta das salas de espetáculo, mesmo sem que os textos sejam considerados clássicos. Só de espetáculos que envolvem o nome da Marília Pêra de alguma maneira são três: Brincando Em Cima Daquilo, Doce Deleite e finalmente Irma Vap. Crise na dramaturgia? Desinteresse pelo momento cultural em que vivemos? Ou apenas facilidade na busca de patrocínios?
Irma Vap poderia facilmente ser colocada nessa última categoria. Ledo engano. A nova montagem, que acaba de estrear, o faz sem aquela lista interminável de patrocinadores e apoiadores e pode inaugurar uma retomada aos bons e velhos tempos quando os produtores associados investiam seus próprios recursos e aguardavam o resultado da bilheteria.
Ao abrir da cortina, passado o susto inicial de não encontrarmos o Ney nem o Nanini, dá para relaxar e aproveitar as composições exuberantes de Marcelo Médici e Cássio Scapin para as diversas personagens que se alternam em cena sem deixar um segundo apenas para que respiremos. Como se fosse mágica, eles se retiram de cena pela direita e retornam pela esquerda vestidos de maneira totalmente diferente e impregnados por outras almas. Outras personagens.
Os que estão sendo apresentados à Irma Vap pela primeira vez apenas se deleitam. Sem culpa e sem sofrimento e pode-se dizer que o espetáculo encanta os mais jovens como o fez na década de 1980. Com um humor simples, sem ser simplório, o texto ainda envolve a todos. Até mesmo os mais saudosistas, que insistiam em dizer que a montagem dos anos 1980 era melhor, mesmo sem ter ainda assistido a essa.
Marcelo Médici usa e abusa de seus talentos para propiciar a todos momentos inesquecíveis. Sem pudor cênico, dá vida a uma Lady Enid repleta de detalhes criativos, assim como ao gentil homem, dublê de lobo, que trabalha na mansão assombrada.
Cássio Scapin é mais contido e sua aparente seriedade lhe serve como contraponto para as hilariantes cenas em que protagoniza. Seja só, ou acompanhado, desenha com precisão as personagens que lhe cabem no vasto latifúndio do autor somadas as propostas da direção. E por que não dizer dos próprios atores que criam “cacos” baseados em outras de suas experiências cênicas. Pelo menos duas referências são feitas à atuação dele em outro Castelo, o do Nino.
A direção de Marília Pêra prefere não fugir muito da proposta que já havia sido experimentada por ela na montagem anterior e se priva de utilizar mais tecnologia virtual que poderia dar mais atualidade à nova encenação, e seria muito bem-vinda. Haveria de se levar em conta que a nossa vida é muito mais agitada do que na época em que Irma nos visitou pela primeira vez.
Os cenários e figurinos de Fábio Namatame são competentes e servem com perfeição para a montagem proposta, e se por um lado não surpreendem por não trazer aquele toque de “revisitando Irma”, nos remetem delicadamente ao que já estávamos esperando.
A diversão para o público é garantida e, para os produtores, além do prazer do reconhecimento do público e dos números ($$$) da bilheteria, traz aquele gosto do sucesso que só as produções independentes sentem. Será que as nossas produções já estão maduras para não depender das tais engessadas leis de incentivo?
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