Meus Caros, tenho um bom amigo que sempre se sai com uma frase tristemente maravilhosa, afirmando: “A humanidade ainda vai me matar de vergonha”. Afinal, os seres humanos conseguem sempre mostrar o que de pior têm dentro de si. Pois foi exatamente essa sensação que tive hoje, ao ler na Folha de São Paulo a notícia de que o bisbilhoteiro mor do universo, o site Wikileaks, mostrou o nosso sempre tão glorificado Ministério das Relações Exteriores, intercedendo em favor dos pilotos do avião Legacy, que, em 29 de setembro de 2006, se chocou no ar com um Boeing da Gol, matando 154 pessoas. Segundo comprovam os documentos que vieram a público, o governo brasileiro teria pressionado os juízes do caso para que liberassem os pilotos americanos, permitindo-lhes retornar aos Estados Unidos, ou seja, garantindo-lhes a eterna impunidade no caso de condenação. Não posso imaginar que o governo brasileiro pudesse ter qualquer interesse legítimo no caso, necessitando abafar suas consequências, ou influir na condução de seu julgamento. É evidente que houve mais um vergonhoso episódio de subserviência do Brasil, justificado sabe-se lá por qual razão. Enquanto os diplomatas brasileiros faziam pressão sobre os juízes, as famílias de 154 brasileiros sofriam os dramáticos momentos de busca dos corpos de seus parentes queridos.
Tenho autoridade para falar no assunto, pois eu mesmo já perdi um irmão em um desastre aéreo, em 31 de outubro de 1996, quando o primeiro Fokker 100 da TAM caiu no Jabaquara. Naquele dia eu perdi meu amado Duda. A primeira reação, de toda a comunidade, foi de maravilhosa solidariedade, carinho vindo de todos os lados. Mas a solução policial e jurídica do caso arrastou-se cruelmente, por muitos anos, durante os quais a mídia não nos prestava mais qualquer atenção, e o judiciário brasileiro mostrou a sua pior face – a absoluta ineficácia. Os interesses do governo brasileiro, e isso os documentos divulgados pelo Wikileaks comprovam, estão com os governos estrangeiros, e com as grandes companhias aéreas. A mídia vai sempre bajular seus grandes anunciantes, e as famílias das vítimas vão ver suas perdas tratadas de forma fria e burocrática. Os documentos revelados agora comprovam aquilo que já se sabia, que muitas famílias no Brasil já sabiam: no Brasil, as vidas humanas não valem nada. Desastres aéreos são eternos apenas para as famílias das vítimas. O Brasil ofereceu favores ao governo americano, jogando seus próprios cidadãos nos atoleiros de seu Poder Judiciário. Brasil, essa é a sua cara. Abraço indignado do Cavalcanti.
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