A queda do número de beneficiários de planos de saúde não é culpa só da crise

Em uma época não muito distante, comprar um automóvel, fazer uma viagem ao exterior e contratar um plano de saúde eram bens e serviços para poucos. Com a estabilização da moeda e o crescimento da economia no País, a chamada classe média conquistou o acesso a esses produtos e passou a considerar essencial ter assistência médica privada.

Foram 12 anos ininterruptos de crescimento no setor, de 2002 a 2014. Antes da atual crise econômica, a última vez que o mercado de planos apresentou queda foi em dezembro de 2002, quando houve uma redução, quase que imperceptível, de 0,67% no total do número de consumidores em comparação com dezembro do ano anterior, 2001.

A demanda pelos serviços oferecidos pelas operadoras de saúde cresceu tanto que muitas dessas empresas passaram a escolher quem poderia contratar seus serviços, qualificando o seu mercado de consumo e diminuindo, tanto quanto possível, o risco de sinistralidade.

A consequência disso é que contratar um plano de saúde deixou de ser uma realidade para muitos brasileiros – e a crise econômica não é o único motivo.  Há pelo menos outras duas razões para isso:

Reajustes abusivos e falta de regulação contribuíram para a queda na venda de planos de saúde. Foto: Ingimage
Reajustes abusivos e falta de regulação contribuíram para a queda na venda de planos de saúde. Foto: Ingimage

1) Quando perdem o emprego, usuários não conseguem contratar planos individuais

Com a atual crise, mais de 1,8 milhão de consumidores perderam o plano de saúde desde o início de 2015. Muitos deles perderam o benefício junto com o emprego e, mesmo aqueles que têm recursos financeiros para contratar outro produto não vinculado ao trabalho, podem não encontrar opções de contratação.

As grandes operadoras de saúde foram, uma a uma, deixando de comercializar planos de saúde individuais, que são aqueles que podem ser contratados diretamente pelo consumidor –pessoa física.

Esse tipo de contrato, que responde por apenas 19,58% do total de consumidores, é muito mais benéfico ao consumidor, pois o teto do índice do reajuste anual da mensalidade é estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Outra vantagem é que a operadora não pode rescindi-lo unilateralmente.

Sem oferta de planos individuais, restam apenas os contratos coletivos. Mas, para aderir aos empresariais, é necessário ser sócio ou empregado de uma empresa que ofereça o plano de saúde. Já para beneficiar de contratos coletivos por adesão, é necessário ter um vínculo com a associação de classe ou sindicato que disponibiliza o plano.

2) Os reajustes anuais são abusivos e não obedecem o teto

Quem não conseguiu encontrar um plano de saúde individual e teve de contratar um plano do tipo coletivo está tendo dificuldades para manter o serviço.

A principal causa está relacionada ao alto custo das mensalidades, cujos reajustes anuais não obedecem aos tetos estabelecidos pela ANS em cerca de 80% dos casos.

No Brasil, aproximadamente 80% dos contratos de planos de saúde são de natureza coletiva e a ANS não interfere no índice exigido pelas operadoras nesses contratos, que, em geral, são muito superiores àqueles estabelecidos para os contratos individuais.

A solução encontrada por muitos desses consumidores foi reduzir o padrão de cobertura, mas, mesmo assim, manter o pagamento do serviço contratado se tornou uma tarefa inglória. É impraticável conciliar o pagamento de mensalidades que são reajustadas em índices superiores ao dobro do reajuste da renda do consumidor, com ou sem crise econômica.


O que diz a ANS?

A ANS alega que não pode interferir na decisão comercial das operadoras de interromper a venda de planos individuais.

A agência, entretanto, tem o poder de regulamentar o setor. Exigir uma oferta mínima desse produto nada mais é do que promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, finalidade essa que lhe foi atribuída pela lei que a criou, a lei n. 9.961/2000.

Já em relação aos abusivos reajustes aplicados anualmente sobre a mensalidade dos contratos coletivos, a ANS informa que “(…) não define percentual máximo de reajuste para os planos coletivos por entender que as pessoas jurídicas possuem maior poder de negociação junto às operadoras, o que, naturalmente, tende a resultar na obtenção de percentuais vantajosos para a parte contratante. (…)[i]

Se verdade fosse, o índice de reajuste dos contratos coletivos seria inferior ao dos contratos individuais, mas não é.  Esse reajuste costuma ser mais do que o dobro do índice desses contratos.

[i] Disponível em http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/consumidor/2888-reajuste-anual-de-planos-de-saude-2, acesso em 09/05/2016, item 9 de “Perguntas Frequentes”.


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