Não é segredo que o café tira o sono. Mas um novo estudo acaba de mostrar que a substância psicoativa mais popular do mundo – a cafeína contida no café e presente também em alguns refrigerantes – mexe profundamente no sentido de tempo do nosso corpo, o chamado relógio biológico.
O trabalho é pequeno e preliminar, mas surpreendente. Foi conduzido por Kenneth Wright, professor de fisiologia integrativa da Universidade do Colorado Boulder, nos Estados Unidos, e por John O’Neill, do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
A equipe descobriu que uma quantidade de cafeína equivalente a um expresso duplo, se for ingerida cerca de três horas antes do horário regular de ir para a cama, induz um atraso de 40 minutos no sono, que faz parte dos ritmos circadianos do nosso corpo (possuem ciclos de 24 horas, como o sono).
Como? Primeiro, a cafeína interfere na produção da melatonina, fabricada naturalmente pela glândula pineal segundo instruções enviadas pelo cérebro. A substância retarda o pico de concentração desse hormônio no sangue, de acordo com um relatório publicado online na quarta-feira (16) pela revista Science Translational Medicine. O efeito foi quase o mesmo da exposição a três horas de luz intensa.
Mas essa foi só uma das alterações causadas pela substância, conforme o estudo que monitorou cinco pessoas (dois homens e três mulheres) e teve duração de 49 dias. Nesse período, os participantes foram mantidos sob condições controladas antes de dormir, como pouca luz associada a uma pílula de placebo ou dose de 200 miligramas de cafeína. Também foram submetidos a uma combinação de luz intensa e uma pílula de placebo ou cafeína. Amostras de saliva foram testadas para conferir os níveis de melatonina.
Depois dessa etapa, o laboratório de Cambridge investigou o que havia ocorrido nas células. Os pesquisadores decidiram ir fundo nesse aspecto porque estudos anteriores com algas verdes e caracóis do mar haviam mostrado que a cafeína interferia na cronometragem celular. Será que ocorria a mesma coisa nas pessoas? “Para nossa surpresa, ninguém tinha realmente feito testes para investigar essa questão”, disse Kenneth Wright, da Universidade do Colorado.
Analisando tecidos humanos cultivados em laboratório, a equipe viu que a cafeína tem o poder de bloquear receptores do neurotransmissor adenosina existentes nas nossas células. E ainda que o corpo confunda as substâncias, elas têm efeito antagônico. Por diversos mecanismos, a adenosina desencadeia a sensação de sonolência, enquanto a cafeína desperta. Sob a ação do estimulante, o corpo retarda o sono e antecipa o despertar, levando a dormir menos.
Para o cientista Wright, mudanças como essas podem ter repercussão mais ampla e reforçam a necessidade de escolher o momento de tomar bebidas com cafeína. “Nosso ritmo circadiano vai muito além do sono e vigília. O relógio biológico está presente no corpo inteiro. Atua nas células de gordura, musculares, do fígado, do cérebro”. É também fato comprovado que alterações do sono afetam, por exemplo, o sistema imunológico. “Levar uma vida em que você não dorme o suficiente ou mantém o relógio do seu corpo continuamente fora de sincronia é ruim para a saúde”, completa Wright.
Ainda não se sabe, no entanto, se beber cafeína no início do dia pode alterar o relógio interno de maneira similar. “Seria uma especulação dizer que se pode consumir cafeína cinco ou seis horas antes de deitar sem obter esse efeito. É evidente que isso precisa ser testado “, pondera John O’Neill, de Cambridge. Pelo sim, pelo não, ele mesmo não toma café depois das 17 horas.
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