Cansado? Que tal tomar um remédio de mentira?

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“Isto não é uma pílula”, releitura do quadro de Magritte pela Universidade do Alabama em Birmingham. Foto: UAB

Uma equipe da Universidade do Alabama, em Birmingham, nos Estados Unidos, tem gasto as últimas semanas em uma missão que, para muitos, pode parecer fadada ao fracasso. Eles estão convencendo pacientes com câncer e fadiga a participar de um estudo no qual os voluntários receberão um tratamento atípico para o cansaço. Eles tomarão remédios placebo e, o que é ainda mais inusitado, estarão completamente cientes disso. 

Para quem não está familiarizado com a expressão, os placebos são pílulas feitas sem os princípios ativos normalmente usados nos remédios. Na indústria farmacêutica, uma das maneiras de comprovar a eficácia de um novo medicamento (quando não existe outro já aprovado para o mesmo tratamento) é compará-lo a um placebo. A ideia é que a pílula “verdadeira” precisa ter melhores resultados do que a “falsa”.

Entretanto, com o passar dos anos e o acúmulo de pesquisas e placebos, o que se viu é que a pílula “falsa” não é assim tão inócua quanto se esperava e, muitas vezes, é capaz de gerar efeitos sobre a saúde do paciente similares aos da pílula “verdadeira”. Sejam eles positivos (efeito placebo) ou colaterais (efeito nocebo).

Teri Hoenemeyer, coordenador do estudo e diretor de serviços educacionais no centro de tratamento do câncer da Universidade do Alabama, em Birmingham, explica que ainda não se sabe ao certo por que os placebos funcionam, mas há algumas hipóteses que poderão elucidar o enigma.

“Pode ser devido ao condicionamento, ou seja, às expectativas dos pacientes de melhorar após ver o médico; ou então aos sentimentos de esperança e de se sentir cuidado e auxiliado. Mas também pode haver fatores biológicos, como a produção de dopamina, endorfina e outros hormônios”, sugere Hoenemeyer.

O que os placebos estão tornando evidente é que há muito mais fatores envolvidos no sucesso de um tratamento médico do que os componentes químicos dos remédios. 

No DNA 

Teri Hoenemeyer, que é um estudioso dos chamados tratamentos complementares para os pacientes de câncer, não está sozinho na realização dos testes com placebo. O desenho do estudo teve a ajuda de um dos principais nomes na área: o pesquisador Ted Kaptchuk, da Universidade de Harvard. Ele é um médico formado em medicina chinesa que, nas últimas duas décadas, têm centrado seus esforços no estudo dos placebos e, claro, dado muito o que falar no meio científico.

Na lista das doenças em que Kaptchuk já testou o efeito placebo estão a asma, as enxaquecas e a síndrome do intestino irritável. O médico é ainda um dos pioneiros na realização de estudos às claras, nos quais os pacientes sabem que estão tomando uma pílula sem princípios ativos. A ideia veio como uma maneira de tentar resolver os dilemas éticos relacionados ao uso de placebo.

Além de toda essa bagagem,  Kaptchuk nos últimos anos tem se dedicado à pesquisa do que apelidou de placeboma, que são os possíveis marcadores genéticos que determinariam a resposta de cada indivíduo ao efeito placebo.

“Recentemente, experimentos inovadores em neuroimagem e em fisiologia tem alimentado a ideia de que o efeito placebo é uma resposta biológica a sugestões psicossociais envolvidas no uso de tratamentos inativos. É mais que propensão ou remissão espontânea da doença”, escreveu Kaptchuk em um artigo sobre o tema, publicado neste ano.

Como ele mesmo define, o placeboma ainda está em sua infância mas, se comprovado, pode colocar abaixo, de uma vez por todas, a ideia muito difundida na medicina de que o efeito placebo é apenas resultado da “força do pensamento” de alguns pacientes. 

No artigo sobre o placeboma, Kaptchuk e outros dois cientistas apresentam uma lista com onze genes candidatos. 

O trio acredita que estaria neles a resposta para o surgimento do efeito placebo e a explicação para o fato de que nem todo mundo está susceptível aos efeitos das pílulas de açúcar. Seria necessária a presença de uma dessas microscópicas estruturas em nosso DNA para que o organismo pudesse reagir ao estímulo das pílulas ou tratamentos “falsos” por meio da entrega de alguns hormônios.

Alívio à vista?

A esperança dos pesquisadores é de que os placebos possam ser usados de modo combinado no tratamento de algumas doenças, seja permitindo a redução na quantidade de remédios receitada ou oferecendo alternativas para o tratamento de problemas para os quais não há ainda boas opções terapêuticas. 

É este último caso o escolhido por Hoenemeyer para o estudo no centro de tratamento do câncer da Universidade do Alabama. O pesquisador explica que a ideia de usar placebos para tratar a fadiga associada aos tratamentos contra o câncer deve-se à falta de bons métodos que permitam aliviar esse sintoma.

“Cerca de 99% dos pacientes reclamam de fadiga e mais da metade reporta que esses efeitos debilitantes se mantêm mesmo após o fim do tratamento contra o câncer”, explica  Hoenemeyer. Ele acrescenta que, nos testes, a efetividade dos tratamentos disponíveis é muito similar à dos placebos.

Daí surgiu a ideia: Se os resultados são semelhantes, por que não usar placebo?

No lugar das famosas pílulas de açúcar, receita usada antigamente para a produção dos placebos, o grupo preparou pequenas cápsulas em gel recheadas com um derivado da celulose. Elas serão dadas ao grupo de voluntários em uma série de testes planejados para durar sete semanas. 

Neste período, todos os voluntários terão a oportunidade de experimentar os medicamentos falsos. Enquanto isso, amostras de saliva de cada um deles serão coletadas e analisadas para se detectar a presença de algum biomarcador relacionado ao efeito placebo.

“Os placebos podem não ser capazes de reduzir um tumor ou de controlar a diabetes, mas podem ajudar em problemas de saúde que dependem de químicos como a dopamina, a endorfina, o cortisol ou fatores inflamatórios”, resume Hoenemeyer. Todas essas substâncias são fabricadas pelo nosso organismo. 


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