Britânicos debatem veto a remédio contra malária que causa depressão. No Brasil, uso é opcional

O mosquito Anopheles, transmissor da malária. Foto: Ingimage
O mosquito Anopheles, transmissor da malária. Foto: Ingimage

A mefloquina, uma substância criada nos anos 1970 para prevenir e tratar a forma mais grave da malária, é a protagonista de um intenso debate no Reino Unido.

Na semana passada, os principais jornais britânicos deram destaque ao pedido do deputado conservador Johnny Mercer, um ex-oficial do Exército Real e veterano do Afeganistão, para que o uso dos comprimidos de mefloquina seja suspenso até que estudos adequados sejam realizados.

Os argumentos de Mercer são estudos e relatos de efeitos colaterais intensos associados à medicação. As reações podem aparecer após o uso por muitos meses e vão de mudanças de humor à depressão e alucinações.

“O uso prolongado da mefloquina pode causar alterações psiquiátricas importantes. Há casos de suicídio, depressão e psicose. Não se pode desconsiderar esse fato”, explica o especialista Marcos Boulos, da USP. 

Um dos mais conceituados infectologistas do País, Boulos é professor de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e está à frente da Coordenadoria de Controle de Doenças do Estado (SP). 

Por causa do risco de deflagrar efeitos psiquiátricos nos soldados, o remédio foi proibido em 2013 nos Estados Unidos pela agência FDA, que regula medicamentos. No ano passado , a Agência Europeia de Medicamentos (EMEA) lançou um comunicado alertando para a “predominância de reações adversas neuropsiquiátricas.”

Para Mercer, o aviso do EMEA não é suficiente e ele mantém a ofensiva. Recentemente, afirmou aos jornais que possui muitas cartas de pacientes sobre o modo como a substância prejudicou suas vidas. Jornais e agências de notícias britânicos também têm difundido farto material com histórias de civis e militares que tomaram o remédio e sofreram com os sintomas provocados pela droga. 

Ao jornal inglês “The Guardian”, por exemplo, o médico Ashley Croft, que serviu no Corpo Médico do Exército por 27 anos, disse que fez pesquisas sobre a mefloquina. Ele acredita que 30% das pessoas que tomam o remédio experimentam efeitos colaterais significativos. 

O Ministério da Defesa britânico, no entanto, afirmou que a substância é indicada com base no parecer de especialistas e amplamente utilizada por civis e militares. 


No Brasil, a opção é individual

O debate sobre os efeitos da mefloquina não é tão contundente no Brasil, embora a malária seja a mais expressiva das endemias nacionais, especialmente na Amazônia. No entanto, as informações sobre os efeitos neuropsiquiátricos do remédio já provocam mudanças de conduta.

Exemplo disso é o modo como o uso da substância está sendo apresentado aos 970 soldados brasileiros que irão em missão de paz ao Haiti em novembro.  

Em uma palestra realizada recentemente na fase preparatória da tropa, seus integrantes foram informados acerca das suspeitas que pesam sobre o remédio.  “Como o assunto permanece controverso, a decisão de tomar a mefloquina é de cada um”, diz o tenente coronel Marcos André Benzecry, 42 anos, um dos membros da força de paz que irá ao Caribe.  

Em 1997, quando participou da terceira missão de paz brasileira em Angola, na África, Benzecry  tomou comprimidos de mefloquina todas as terças-feiras por vários meses. “Não senti nada especial e não peguei malária”, lembra.

Com função preventiva, a droga é ministrada uma vez por semana durante todo o período em que o indivíduo permanecer em área de risco. Agora, dezoito anos depois, ele não decidiu ainda se tomará ou não a mefloquina. 

Na opinião do infectologista Boulos, o remédio é completamente contraindicado na prevenção da malária pelos efeitos colaterais que pode produzir. “E há muito tempo foi feita uma recomendação clara do Ministério da Saúde para que a substância não seja usada com essa finalidade”, diz o especialista. 

O médico Boulos observa que muitos soldados atendidos no Ambulatório do Viajante do Hospital das Clínicas (SP) já contraíram malária no Haiti apesar do uso da mefloquina. “O Exército é teimoso nesse aspecto. Deveriam adotar as práticas que recomendamos e evitar a substância”, diz o médico. 

Conforme o Centro de Comunicação Social do Exército, às medidas preventivas individuais se somam providências como o popular fumacê nas regiões em que há malária. A associação desses recursos, segundo o Exército, leva a uma redução significativa no número de casos em áreas de risco, como o Haiti.

A mefloquina também é ministrada para tratar a malária propriamente dita, mas nessas circunstância seu o uso é breve e não provocaria efeitos psiquiátricos. O infectologista Artur Timerman, por exemplo, tomou por duas semanas durante uma viagem à África e não teve receio. “Por curto período, não há problema”, garante Timerman, que é colunista de Saúde!Brasileiros e chefe do serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos (SP)

Conforme o Instituto de Biologia do Exército (IBEx), a terapia da malária pode ser feita com uma combinação fixa de artemeter e lumefantrina por três dias ou de artesunato e mefloquina (ASMQ) pelo mesmo período com primaquina em dose única. O ASMQ é fabricado no Brasil.


Conheça mais sobre a malária  

É uma doença infecciosa, não contagiosa e de evolução crônica, com manifestações episódicas de sintomas intensos. Provavelmente é a doença parasitária mais antiga, conhecida desde a Antiguidade como febre intermitente. Também é chamada de impaludismo.

As quatro formas de malária humana 

O Plasmodium falciparum é o causador da forma mais grave da doença. Há também o Plasmodium vivax, o Plasmodium malariae e o Plasmodium ovale. Estes três últimos normalmente não provocam morte. 
Elas são identificadas por exames de laboratório e se diferenciam conforme agentes infecciosos encontrados no sangue do paciente.

Sintomas 

Calafrios fortes e febre alta, acompanhados de dor de cabeça, náusea e sudorese profunda.  Os sintomas se repetem em ciclos todos os dias, em dias alternados ou a cada três dias e podem durar de uma semana a um mês ou mais. As recaídas podem acontecer a intervalos regulares por até 50 anos. 
O espaço de tempo entre a picada do mosquito infectado e o aparecimento do quadro clínico varia entre 12 e 30 dias, dependendo do agente infeccioso. 
Quando a infecção se deve a uma transfusão de sangue, o período de incubação pode ser de até 2 meses. 

Distribuição geográfica e mortalidade 

Calcula-se que a cada ano cerca de 100 a 150 milhões de pessoas adquirem a doença.  A estimativa é de 1,2 milhão de mortes/ano, principalmente de crianças das regiões tropicais da África, Ásia e Américas. 

Transmissão

A malária é transmitida ao homem através de picada de mosquitos do gênero Anopheles, que são os vetores da doença. Somente as fêmeas picam para se alimentar de sangue e transmitem o agente infeccioso, normalmente ao crepúsculo e à noite. 
Somente o Anopheles previamente infectado (por ter picado antes outra pessoa enferma) transmite a doença.
A transmissão também pode ser acidental, através de transfusão de sangue contaminado ou pelo uso de agulhas e seringas infectadas.

Fonte: Rede de Bibliotecas da Fiocruz/Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde


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