Febre amarela: um resumo das principais descobertas da ciência

O mosquito Haemagogus Leucocelaenus, o principal transmissot da febre amarela silvestre. Foto: CCO Public Domain
O mosquito Haemagogus Leucocelaenus, o principal transmissot da febre amarela silvestre. Foto: CCO Public Domain


O que é a febre amarela?
A febre amarela é uma doença infecciosa, mas não é contagiosa como o sarampo. Ela se mantém presente nas florestas tropicais da América e África, causando periodicamente surtos isolados ou epidemias de maior ou menor impacto em saúde pública. É transmitida ao homem pela picada de insetos hematófagos (se alimentam de sangue) da família Culicidae, em especial dos gêneros Aedes e Haemagogus. Porém investiga-se se outros vetores podem ter algum papel na cadeia de transmissão da doença. Em áreas mais secas do continente africano, o vírus também foi identificado em carrapatos do gênero Amblyoma variegatum, o que ser indicador de um possível papel secundário desses insetos na transmissão da doença.

Quais são os riscos do mosquito Aedes, que transmite a dengue, a zika e a chikungunya, também transmitir a febre amarela ?
Neste ciclo, a transmissão pelo Aedes aegypti  é feita diretamente ao homem sem necessitar da presença de hospedeiros amplificadores, ou melhor, o próprio homem infectado e em fase virêmica atua como amplificador e disseminador do vírus na população.

Em geral, também é o homem que introduz o vírus numa área urbana. Uma vez introduzido o vírus nesse ambiente urbano, o paciente infectado desenvolverá viremia, pode expressar a doença e servir de fonte de infecção a novos mosquitos (Aedes aegypti). Assim, o ciclo se perpetua, até que se esgotem os suscetíveis ou se realize vacinação em massa da população para bloquear a transmissão. Cumpre ressaltar que a última grande epidemia urbana em território brasileiro ocorreu em 1929 na cidade do Rio de Janeiro. Já os últimos casos urbanos reconhecidos foram reportados no município de Sena Madureira, no Estado do Acre e ocorreram em 1942.

Nas Américas, eliminou-se a forma urbana da doença em 1954. Os últimos casos ocorreram no Caribe, em Trinidad. Desde então, nenhum caso urbano foi diagnosticado ou oficialmente notificado nas Américas, a despeito da intensa reinfestação do Aedes aegypti ocorrida na América do Sul, acompanhada de extensas epidemias de dengue, salvo pelo registro não oficial de seis casos em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.

Qual é a diferença entre febre amarela silvestre (FAS) e febre amarela urbana (FAU)?
A diferenciação diz respeito à natureza dos transmissores, dos hospedeiros (como macacos e humanos) e o local onde se manifestam os sinais/sintomas clínicos da doença.  Não há diferenças quanto às manifestações clínicas entre a doença adquirida em região urbana, periurbana, rural ou silvestre. Em geral, a febre amarela se define como doença infecciosa viral aguda, de curta duração, cuja gravidade é variável, podendo se apresentar desde formas sem sintomas até formas fulminantes, com os sintomas clássicos de icterícia, albuminúria e hemorragias. Além disso, a febre amarela pode estar relacionada com infecções assintomáticas que se combinam com formas leves da doença. Quadros assim só são diagnosticados por meio de exames laboratoriais específico. O período de incubação médio é de 3 a 6 dias, podendo chegar até 10 dias.

A febre amarela mata?
Pode matar. Mas a ideia de que a febre amarela é uma doença que invariavelmente leva à morte não se justifica. Estima-se que pelo menos 90% dos casos de febre amarela sejam leves ou sem sintomas, raramente diagnosticadas e que somente 10% sejam das formas graves associadas com elevada letalidade. Esse é, provavelmente, um dos motivos para a enorme subnotificação que caracteriza a febre amarela.
Essas formas mais leves da infecção são de difícil diagnóstico clínico, exceto durante as epidemias. Em geral, ocorrem em crianças de baixa idade, cujas mães foram vacinadas e que transmitiram (via transplacentária durante a gestação) anticorpos maternos do tipo IgG. Os índios, ao adquirirem imunidade materna e ao longo de sua vida, constituem outro grupo no qual a doença apresenta formas leves ou sem sintomas. Por vezes, numa mesma família, alguns adoecem de formas brandas, enquanto outros sucumbem com as formas graves da doença.

Quais são os sintomas das formas leve e moderada? 
A sintomatologia observada nas formas leve e moderada revela-se incaracterística e confunde-se com a encontrada em outras doenças infecciosas comuns em áreas endêmicas entre as quais as mais importantes são malária, hepatites viróticas, febre tifóide e mononucleose infecciosa. Em geral, os sintomas na forma leve restringem-se à febrícula ou febre moderada de início súbito que pode ou não vir acompanhada de cefaléia discreta, astenia ou indisposição passageira e tontura. Esse quadro evolui por algumas horas até dois dias, findos os quais o paciente se recupera inteiramente sem seqüelas. Apresenta-se de forma silenciosa de difícil diagnóstico mesmo durante as epidemias de febre amarela, podendo ser confundida com mal estar passageiro, resfriado e enxaqueca. Apenas as provas específicas definem o diagnóstico.

E como se apresenta a forma moderada da doença?
Na forma moderada, o quadro clínico mostra-se arrastado. O paciente refere início súbito com febre e cefaléia. Além desses sintomas pode apresentar náuseas com ou sem vômitos, mialgia e artralgia que não incomodam o paciente nem dificultam a sua locomoção. A cefaléia costuma ser duradoura e intensa. A febre se eleva mais e só cede após o uso de antitérmicos; a astenia mostra-se mais pronunciada. Nesta forma, pelo menos um dos sintomas clássicos da doença costuma acompanhar o curso clínico. De fato, epistaxe, ligeira albuminúria, e sub-icterícia acontecem. Às vezes, observa-se o sinal de Faget, isto é, a ocorrência de bradicardia acompanhando a febre elevada. O período de estado, revela-se mais longo, durando em média de dois a três dias e a recuperação mostra-se completa e sem seqüelas. Diagnosticam-se essas formas no curso de epidemias em locais onde ocorreram ou estão ocorrendo outros casos.

E quais sintomas acompanham os casos graves?
Nas formas grave e maligna, por sua vez, o quadro clínico inicia-se abruptamente com febre elevada e cefaléia intensa. Nesta forma o sinal de Faget torna-se evidente. A cefaléia se intensifica. As dores musculares generalizam-se. As náuseas e os vômitos incomodam. Há icterícia franca, albuminúria persistente e por vezes acompanhada de oligúria. Descrevem-se hemorragias, especialmente sangramento uterino. Esta forma cursa por até 7 dias, usualmente por 5 dias. A febre em geral mostra-se persistente. Na forma maligna da febre amarela os pacientes sempre apresentam os três sintomas clássicos que caracterizam a falência hepato-renal. Algumas vezes o quadro hepático se superpõe ao quadro renal e a icterícia mostra-se exuberante com bilirrubina e aminotransferases muito elevadas, mas com aumento não muito pronunciado de uréia e creatinina que sugere não haver comprometimento renal acentuado. Outras vezes observa-se o inverso. Entretanto, o mais comum é o quadro exuberante, completo, com riqueza de manifestações clínicas e importante envolvimento hepato-renal. O quadro evolui em duas fases ou períodos com um período de remissão entre as mesmas. Ressalte-se, no entanto, que nem sempre é possível se separar tais fases.

Como a doença pode ser evitada?
A febre amarela faz parte da lista de doenças de notificação compulsória e como tal, qualquer caso suspeito deve ser imediatamente notificado à autoridade sanitária local, estadual ou nacional e esta notifica os organismos internacionais. Posteriormente, havendo confirmação laboratorial, a notificação do caso é confirmada e a autoridade nacional ratifica a autoridade sanitária internacional. O método mais eficaz para se prevenir a febre amarela é a vacinação com a composta com a cepa atenuada 17D do vírus da febre amarela. Atualmente, duas subcepas são usadas na produção de vacinas: 17DD no Brasil e 17D-204 no resto do mundo. A diferença é que a 17DD tem 81 passagens a mais em ovo embrionado de galinha comparativamente ao outro preparado vacinal.

No Brasil estão disponíveis duas vacinas: a produzida por Biomanguinhos – Fiocruz, utilizada pela rede pública e a produzida pela Sanofi Pasteur, utilizada pela rede privada. Ambas compostas de vírus vacinal amarílico vivo atenuado cultivado em ovo de galinha.

A vacina produzida por Biomanguinhos apresenta em sua formulação a presença de gelatina bovina, eritromicina, canamicina, cloridrato de L-histidina, L-alanina, cloreto de sódio e água para injeção. Já a da Sanofi Pasteur contém: lactose, sorbitol, cloridrato de L-histidina, L-alanina e solução salina.

As vacinas existentes contra a febre amarela apresentam a mesma eficácia?
Ambas as vacinas têm perfis de segurança semelhantes, assim como estimativa comparável de eficácia, estimada ao redor de 95%. Até março de 2017, o Brasil, apesar das evidências apresentadas pela OMS sobre proteção a longo prazo conferida após aplicação de uma única dose da vacina febre amarela, era o único país a manter o esquema de duas doses, recomendando reforço após 10 anos nas áreas de recomendação ou persistindo o risco epidemiológico para viajantes que se destinam a essas áreas.. Esse posicionamento do Ministério da Saúde baseou-se em publicações internacionais e brasileiras que indicam queda da imunidade contra febre amarela após uma dose, a longo prazo, nos indivíduos que receberam apenas uma dose. Tal recomendação era embasada no fato de que a recomendação de tão somente uma dose da vacina pela OMS consubstanciava-se no fato de que a mesma seria indicada em países da África onde haveria circulação do vírus selvagem na comunidade, propiciando dessa forma “efeito booster” natural naqueles indivíduos que tivessem recebido a dose preconizada. Esse efeito booster não se verificaria em locais do mundo onde não são relatados por décadas a circulação urbana do vírus, não advindo por conseguinte esse “reforço” natural da imunização.

No entanto, devido à expansão da circulação do vírus de febre amarela na América Latina e África, diversos países incluíram a vacina febre amarela na rotina de seus programas de imunização ou realizam campanhas de vacinação. Ocorre que o número de produtores da vacina diminuiu nos últimos 20 anos. Hoje, são 10 produtores sendo que apenas três pré-qualificados pela Organização Mundial de Saúde: Bio-Manguinhos (Brasil), Sanofi – Pasteur (França) e Instituto Pasteur (Senegal).

O crescente registro de casos em nosso país e a necessidade de vacinar nossa população impõe a tomada de decisões de Saúde Pública que permitam proteger o maior número possível de pessoas e, assim, bloquear os surtos notificados. Dessa forma, em 05/04/2017, o Ministério da Saúde divulgou novas recomendações de vacinação, em consonância com as recomendações da Organização Mundial da Saúde: a partir de abril de 2017, dose única da vacina febre amarela será adotada em todo o país para todas as faixas etárias. Portanto, pessoas que já receberam uma dose da vacina, mesmo que há muitos anos, não serão revacinadas, mesmo em situações de risco. Importante dizer que essas medidas, adequadas nesse momento para controle da situação epidemiológica que vivemos hoje, podem não ser definitivas e serão revistas pelo Programa Nacional de Imunizações. Em caso de viagem a países que exigem o CIVP, o Regulamento Sanitário Internacional exige somente uma dose, que também deve ser aplicada pelo menos 10 dias antes da viagem e é considerada válida por toda vida.

Quais podem ser os efeitos colaterais das vacinas? 
No que tange aos eventos adversos associados à vacina contra febre amarela, observam-se efeitos no local da administração do inóculo, tais comodor no local de aplicação que ocorre em 4% dos adultos vacinados, evento menos frequente em crianças pequenas, com duração de um ou dois dias, geralmente de intensidade leve a moderada. Manifestações sistêmicas como febre, dor de cabeça e muscular não são raros, acometendo cerca de 4% dos vacinados pela primeira vez e menos de 2% nas segundas doses.

Apesar de muito raros, podem acontecer eventos graves, como reações alérgicas, doenças neurológicas (encefalite, meningite, doenças autoimunes com envolvimento do sistema nervoso central e periférico) e doença visceral (infecção pelo vírus vacinal causando danos semelhantes aos da doença).

No Brasil, entre 2007 e 2012 a ocorrência destes eventos graves foi de 0,42 caso por 100 mil vacinados. Reações alérgicas como erupções na pele, urticária e asma acontecem com frequência de um caso para 130 mil a 250 mil vacinados. Entre 1999 e 2009, ocorreu anafilaxia na proporção de 0,023 caso para cem mil doses aplicadas. Entre 2007 e 2012, aconteceram 116 casos (0,2 caso em cem mil vacinados) de doença neurológica, principalmente quando se tratava de primeira dose e em idosos. Já a disseminação do vírus vacinal pelos órgãos, chamada “doença viscerotrópica”, neste mesmo período, ocorreu em 21 pessoas (0,04 casos em 100 mil vacinados).

Como deve ser o combate aos vetores?
O combate aos vetores silvestres é inviável. Resta o combate ao vetor urbano, Aedes aegypti, que tem sido tentado desde o início do século com sucessos e fracassos. Hoje, com a complexidade das áreas urbanas, elevada concentração populacional e aumento da pobreza, bem como o agravamento do problema com o lixo urbano e a deficiência no fornecimento de água, torna-se muito difícil viabilizar a curto e médio prazos a eliminação ou mesmo o efetivo controle do Aedes aegypti em todo o continente americano em níveis que impeçam a ocorrência de epidemias urbanas de febre amarela. Por outro lado, vale assinalar que nas últimas epidemias urbanas de febre amarela ocorridas na África, os índices de infestação têm sido extremamente elevados, com valores acima de 50%, a ponto de se questionar a competência vetorial do Aedes aegypti. Tal fato não se verifica no Brasil, onde os índices têm se mantido baixos, raramente atingindo 10%. Medidas de proteção individual como o uso de repelentes e de mosquiteiros também são métodos importantes para reduzir o impacto das epidemias.


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