Governos devem avaliar riscos de vacina contra a dengue, diz estudo

A vacina contra a dengue, uma delas já aprovada, pode aumentar a incidência de casos que necessitem de hospitalização, ao invés de prevenir a doença. Essa é a conclusão de estudo publicado na revista Science no dia 2 de setembro. A eficácia da vacina, avisam os pesquisadores, vai depender da região em que ela for administrada. Por isso, as autoridades de saúde pública devem ter cuidado com as indicações do imunizante.

Dizem os autores do estudo:
“Devemos ter cuidado ao considerar onde e como usar esta vacina, porque ainda há incerteza sobre o seu impacto”, diz Derek A.T. Cummings, professor de biologia da Universidade da Flórida e professor adjunto na Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
“Ter uma vacina é um avanço significativo para o controle da dengue”, diz Rodríguez-Barraquer. “No entanto, esta vacina é um excelente exemplo em que preciso pesar seriamente os riscos e benefícios.”

A dengue normalmente provoca uma primeira infecção leve, mas pode ser muito pior se alguém é infectado com o vírus uma segunda vez. Há quatro tipos de vírus da dengue. Estudos apontam que a resposta do organismo deflagrada pela primeira infecção pode levar a uma resposta mais grave na presença de uma segunda.

E esse é um dos principais desafios para que a vacina seja desenvolvida. O medo é que, caso o imunizante não proteja o indivíduo totalmente, ele pode ficar mais suscetível a uma infecção mais grave, visto que a gravidade da dengue aumenta com a quantidade de infecções.

Na pesquisa publicada na Science, pesquisadores da Escola Bloomberg Johns Hopkins de Saúde Pública, da Imperial College London e da Universidade da Flórida analisaram dados de ensaios clínicos de vacinas realizados em 10 países com mais de 30.000 participantes.

Vacina contra a dengue já registrada no Brasil. Foto: Divulgação
Vacina contra a dengue já registrada no Brasil. Foto: Divulgação

Usando esses dados, eles desenvolveram modelos matemáticos para entender como a eventual utilização da vacina vai afetar pessoas nos países onde a transmissão da doença é alta, moderada ou baixa. Eles descobriram que, enquanto a vacina pode reduzir a infecção e a hospitalização em 20% a 30% em locais com alta transmissão de dengue, ela pode aumentar significativamente a doença e a hospitalização se usada em locais onde há menor transmissão do vírus.

A vacina, fabricada pela Sanofi-Pasteur, foi licenciada em seis países até agora, e vários países estão atualmente estudando a melhor forma de utilizar esta vacina, entre eles o Brasil, que também busca uma alternativa de imunizante em testes feitos no Instituto Butantan. 

“Em vacinas, espera-se mais do que 30% de sucesso, mas essa é a única vacina disponível agora para retardar a dengue”, diz Isabel Rodriguez-Barraquer, pesquisadora na Johns Hopkins, em nota sobre o estudo.
“Se a vacina for usada corretamente, muitas pessoas poderão ser poupadas da doença e da hospitalização de dengue. Mas devemos ter certeza de só usá-la em lugares onde os dados sugerem que ela vai fazer mais bem do que mal.”

A nova pesquisa sugere que a vacina funciona de modo muito parecido com uma infecção natural, mas sem fazer com que os vacinados fiquem doentes. Naqueles já previamente infectados com a dengue, ela atua como uma segunda infecção silenciosa e estimula o sistema imune sem os sintomas mais graves que podem acompanhar uma segunda infecção natural.

Contudo, naqueles não infectados com a dengue, a vacina faz com que o sistema imunológico reconheça que uma primeira infecção já ocorreu. Com isso, quando expostos à dengue em um ambiente natural, o corpo reage como se estivesse recebendo uma segunda infecção. E essa segunda infecção costuma ser mais grave justamente pela reação imunológica.

Os fabricantes da vacina reconhecem que ela não funciona muito bem em pessoas que não tiveram uma infecção prévia naturalmente antes da vacinação. Exemplo disso é que a vacina é contraindicada para uso em crianças com menos de nove anos de idade, porque eles são menos propensos a ter sido expostos à dengue.

Uma sugestão, segundo os pesquisadores, é a realização de um teste que identifique se pessoas já foram infectadas no passado. Aqueles que já foram, recebem a vacina; aqueles que não, não seriam vacinados.


Imagem da fábrica francesa que produz a vacina contra a dengue mostra área de cultura do vírus recombinante: Foto: Sanofi Pasteur
Imagem da fábrica francesa que produz a vacina contra a dengue mostra área de cultura do vírus recombinante: Foto: Sanofi Pasteur

O peso da dengue

Em parte com base nestas constatações, a Organização Mundial de Saúde recomenda que esta vacina seja usada somente em áreas onde existe uma elevada carga conhecida da doença.

A dengue infecta cerca de 400 milhões de pessoas em mais de 120 países anualmente. A maioria sobrevive com pouco ou nenhum sintoma, mas mais de dois milhões desenvolvem a dengue hemorrágica, que mata mais de 25.000 pessoas a cada ano.

A dengue pode causar febre alta, fortes dores de cabeça, dor atrás dos olhos, erupção cutânea e articular, dor muscular ou óssea. Já a dengue hemorrágica ocorre quando há vazamentos de sangue de vasos sanguíneos, o que pode levar à falha do sistema circulatório, choque e morte se não for realizado tratamento adequado.


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