Mais perto de um teste para prever o remédio certo contra a esquizofrenia

Cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) descobriram grupos de moléculas na intimidade do cérebro que se comportam de maneira diferente entre os pacientes que respondem ao tratamento com remédios antipsicóticos e os que não respondem.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores avaliaram amostras de sangue de portadores de esquizofrenia antes e depois do tratamento. Para os cientistas, essas moléculas que se expressam de modo alterado nos dois grupos de pacientes representam alvos potenciais a serem explorados na busca de novos fármacos contra a doença. 

Na próxima etapa do trabalho, os cientistas irão testar essa relação em um grupo maior de pacientes. “Após validarmos estes achados em um número maior de pacientes, poderemos pensar em criar um teste que permita prever, antes mesmo do início do tratamento, se o paciente vai ou não responder a um determinado fármaco”, afirmou Daniel Martins-de-Souza, da Unicamp e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.

A relação completa das proteínas foi divulgada em artigo publicado na revista npj Schizophrenia, do Grupo Nature.

Foto: Ingimage
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De acordo com Martins-de-Souza, o diagnóstico da esquizofrenia e seu tratamento atualmente são baseados apenas nos dados clínicos do paciente e na experiência do psiquiatra.

Cerca de 40% dos portadores do transtorno não respondem a uma primeira tentativa terapêutica e 60% acabam abandonando o medicamento por causa de efeitos colaterais.

“Hoje, é preciso aguardar seis semanas para saber se o fármaco está ou não fazendo efeito. Quando não há melhora, o médico precisa decidir, somente com base em sua experiência, se aumenta a dose ou troca a medicação. Não há biomarcadores que possam auxiliar nesse processo de decisão e é nisso que estamos trabalhando”, comentou.

Como foi feita a pesquisa

O estudo teve início quando Martins-de-Souza atuava como investigador principal no Departamento de Psiquiatria e Psicoterapia da Universidade de Munique Ludwig Maximilians, na Alemanha, mas as análises foram feitas quando já estava de volta ao Brasil, como professor da Unicamp.

Neste estudo, foram coletadas amostras de sangue de 58 pacientes alemães submetidos ao tratamento com três diferentes antipsicóticos: olanzapina (18 voluntários), quetiapina (14) e risperidona (26). Esta última foi incluída no rol do Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014.

“Esses três medicamentos pertencem à classe dos antipsicóticos atípicos ou de segunda geração, que costuma ter uma ação mais abrangente que as drogas típicas ou de primeira geração”, disse Martins-de-Souza.

Segundo o pesquisador, enquanto as drogas de primeira geração agem principalmente sobre os receptores do neurotransmissor dopamina e amenizam os chamados sintomas produtivos (delírios e alucinações) da doença, os medicamentos de segunda geração agem também sobre outros receptores, entre eles os glutamatérgicos, diminuindo também os sintomas negativos (apatia, desânimo, isolamento e problemas cognitivos).

Na amostra avaliada, metade dos pacientes nunca havia tomado nenhuma droga antipsicótica anteriormente (drug naive). Os demais estavam pelo menos há seis semanas sem tomar nenhuma medicação (drug free).

As coletas de sangue ocorreram na clínica psiquiátrica da Universidade de Magdeburg, na Alemanha, antes do início da terapia (T0) e foram repetidas seis semanas depois (T6), quando já era possível saber quais pacientes respondiam (36 pacientes) e quais não respondiam (22).

Os pesquisadores então fizeram a análise do proteoma (conjunto completo de proteínas produzidas pelo organismo) presente nas amostras sanguíneas.

As proteínas que apresentaram produção alterada em termos de quantidade nos diferentes grupos foram divididas de acordo com as vias bioquímicas à qual pertencem, ou seja, os processos biológicos em que estão envolvidas: sinalização e comunicação celular; metabolismo de proteína; metabolismo e regulação de ácidos nucleicos; transporte; manutenção e crescimento celular; resposta imune; metabolismo energético; e o último e maior grupo, o dos processos biológicos ainda desconhecidos.

“Observamos que, embora os medicamentos modifiquem a expressão de proteínas nas mesmas vias bioquímicas em respondedores e não respondedores, a forma como essa modulação ocorre é diferente. Em duas vias, particularmente, a modulação [aumento ou diminuição da expressão proteica] é totalmente inversa: metabolismo de proteínas e regulação de ácidos nucleicos. Mas se é isso que leva à deficiência na resposta à medicação é algo que ainda precisa ser estudado”, contou Martins-de-Souza.

De acordo com o pesquisador, este é o primeiro trabalho a investigar as proteínas circulantes envolvidas na resposta a medicamentos antipsicóticos, tendo apontado uma série de moléculas ainda desconhecidas que são de potencial interesse para pesquisadores da área.

“As drogas hoje disponíveis tratam aspectos muito genéricos da doença, como regulação de neurotransmissores. Neste trabalho, damos pistas de outras vias bioquímicas envolvidas e mostramos proteínas que são sensíveis ao tratamento. São alvos interessantíssimos”, comentou.

Ainda segundo o pesquisador, foi possível observar  diferenças entre respondedores e não respondedores que permitem pensar na possibilidade de criar um teste preditivo.

“Ainda não publicamos esse resultado porque antes queremos validá-lo em novas levas de amostras, incluindo uma de pacientes brasileiros, pois estes apresentam uma diversidade genética bem maior que a dos alemães”, afirmou Martins-de-Souza.

Este trabalho está sendo feito durante o doutorado de Sheila Garcia, em parceria com os pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) Wagner F. Gattaz e Martinus T. van de Bilt.

O artigo Biological pathways modulated by antipsychotics in the blood plasma of schizophrenia patients and their association to a clinical response (doi: 10.1038/npjschz.2015.50), pode ser lido em www.nature.com/articles/npjschz201550.


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