O que os cientistas sabem –ou não- sobre orientação sexual

Direitos políticos de lésbicas, gays e bissexuais estão definitivamente na pauta de políticas públicas. Mas nem tudo é avanço -e nem para sempre. Caso exemplar é a Rússia que, em 2013, baniu publicidade de relações não-heterossexuais para “proteger” crianças. Mesmo em regiões onde direitos estão supostamente consolidados, como o Brasil, o avanço de setores mais conservadores assusta ativistas -que, não à toa, temem guinada ao retrocesso.

O assunto é complexo e controverso, mas um relatório da Association for Psychological Science aponta que ele precisa ser debatido com mais rigor.  Embora o avanço ou não desses direitos pendule entre quem consegue maior reconhecimento político, muitos setores se utilizam do que a ciência “têm a dizer” sobre a orientação sexual para defender seu ponto de vista. Resultado: não raro há um ruído entre o que a ciência diz e o que é efetivamente divulgado.

Publicado essa semana no Psychological Science in the Public Interesto relatório da associação americana colocou-se a difícil tarefa de fazer um resumo do que a ciência sabe, não sabe e onde simplesmente não tem capacidade para interferir sobre orientação sexual. O artigo também cita as possíveis falhas nos estudos já feitos e aponta caminhos para melhores desenhos metodológicos.

Confira, abaixo, o que é consenso, o que não é, e o que pode ser feito para avançarmos. Lembrando que a leitura precisa considerar, sobretudo, que nada na ciência é definitivo e que esse texto tem por base apenas esse relatório. Ainda, muitos dos consensos citados podem ser criticados a luz das falhas relatadas.

Orientação sexual não pode ser escolhida, nem  ensinada, diz artigo. Também não há evidências de que uma maior tolerância social leve a aumento no número de indivíduos não-heterossexuais. Foto: Ingimage
Orientação sexual não pode ser escolhida, nem ensinada, diz artigo. Também não há evidências de que uma maior tolerância social leve a aumento no número de indivíduos não-heterossexuais. Foto: Ingimage

Quais são os consensos?

  • Um ponto importante que costuma aparecer e que o artigo esclarece, por exemplo, é se a orientação sexual pode ser “escolhida”. O texto conclui que essa questão é ilógica. Como a orientação sexual, segundo os autores, têm por base o desejo e não podemos escolher o que desejamos, a pergunta simplesmente não faz sentido.

  • O principal autor do estudo, Michael Bailey da Universidade Northwestern, diz ainda que a pergunta simplesmente é “irrelevante” e é constituída por questões “morais e não científicas”. 
  • Outro consenso é que, através das culturas, uma porcentagem “pequena, mas não trivial” de pessoas têm sentimentos não-heterossexuais.
  • A expressão específica de orientação sexual varia muito de acordo com as normas e tradições culturais, mas a pesquisa sugere que os sentimentos sexuais dos indivíduos se desenvolvem de forma semelhante em todo o mundo.
  • Evidências até agora sugerem que orientações sexuais de homens e mulheres se manifestam de forma diferente: a orientação sexual dos homens é mais ligada a padrões de excitação.
  • Vários fatores biológicos – incluindo hormônios pré-natais e perfis genéticos podem contribuir para a orientação sexual. Mas as evidências também sugerem que ambos os fatores –biológicos e sociais- podem juntos interferir na orientação.
  • Os conhecimentos científicos não suportam a noção de que a orientação sexual pode ser ensinada ou aprendida. Também há pouca evidência para sugerir que as orientações não-heterossexuais se tornam mais comum com o aumento da tolerância social e da conquista de direitos políticos.

O que não está resolvido?

Um dos principais pontos em que a ciência briga é se a orientação sexual pode ser determinada na infância. A pergunta aqui é: se uma criança se comporta de maneira a não seguir os estereótipos do seu gênero, isso significa que ela será não-heterossexual na vida adulta? Embora o estudo conclua que há evidências que suportem essa relação, eles estabelecem que isso pode ser uma consequência na forma como os participantes são recrutados, que é por meio do auto-relato. Também estigmas culturais podem fazer com que uma parcela significativa da população não seja representada nas amostras.

Outro ponto não consensual é sobre a divisão entre “lésbica, gay ou bissexual”. Evidências mais recentes sugerem que há um continuum sexual, e muitas outras definições podem ser possíveis. O problema está principalmente na categoria “bissexual”, que serve como um nome genérico para tudo que não é estritamente hetero ou homo. Ainda, o aumento do leque de definições teria uma consequência prática, segundo Bailey, e aumentaria a prevalência de orientações não-heterossexuais -o que coloca em xeque o “consenso” acima sobre a pequena prevalência dessa característica.


Possíveis falhas nos estudos

Uma contradição científica encontrada pelos autores é que, embora a maioria dos pesquisadores visualizem a orientação sexual como tendo vários componentes – como o comportamento sexual, a identidade sexual, a atração sexual, e a excitação sexual fisiológica – a maioria dos estudos científicos se concentram apenas na atração sexual relatada.

A decisão de utilizar estas medidas de auto-relato é normalmente feita por razões pragmáticas, mas necessariamente limita as conclusões que podem ser tiradas sobre como os diferentes aspectos da orientação sexual variam por indivíduo, pela cultura, ou pelo tempo.

Além disso, segundo os autores, o estigma individual e cultural provavelmente resulta em sub-registro de comportamentos não-heterossexuais.


Necessidade de mais estudos

Para os autores, o fato de que as questões relacionadas à orientação sexual continuam a ser debatidas na arena pública ressalta a necessidade de mais estudos e com um desenho metodológico que se aproxime mais dos achados anteriores.

“A orientação sexual é uma característica humana importante e devemos estudá-la sem medo e sem restrição”, argumenta Bailey. “Quanto mais controverso o tema, mais devemos investir na aquisição de conhecimento imparcial.”


Leia o relatório:

Sexual Orientation, Controversy, and Science. Disponível em: http://psi.sagepub.com/content/17/2/45.full.pdf+html

Acesso a todos os artigos, informação sobre os autores e comentários:
http://psi.sagepub.com/content/17/2.toc


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