Medicamento para diabetes reduz em 13% o risco de morte cardiovascular

Uma das maiores preocupações dos médicos que tratam do diabetes é proteger o paciente das possíveis complicações cardiovasculares da doença. Na tarde desta segunda (12), profissionais de todo o mundo reunidos no 76th Congresso da Associação Americana de Diabetes, em New Orleans (EUA), viram apresentações de estudos mostrando que o liraglutida, medicamento conhecido e disponível para baixar a glicose, pode ajudar a evitar complicações do coração. Trata-se da principal causa de internações e morte dos diabéticos. 

Nos estudos, o liraglutida se revelou eficaz em diminuir o risco de ataque cardíaco ou morte em pacientes de diabetes tipo 2 (adquirida) de alto risco para doença cardiovascular. Nos voluntários da pesquisa, o risco de morte cardiovascular foi reduzido em 13%. O composto discutido em New Orleans tem o nome comercial de Victoza e é fabricado pela Novo Nordisk, empresa com sede na Dinamarca. O medicamento já está disponível em vários países, inclusive no Brasil. 

O liraglutida é uma substância para controle das taxas de glicose no organismo e que também leva à perda de peso. Sua ação principal ocorre no intestino, onde inibe a ação do hormônio GLP-1, prolongando a sensação de saciedade. Ele é usado por pessoas com diabetes tipo 2 que têm dificuldade em controlar os níveis de glicose no sangue com dieta, exercícios e ajustes no estilo de vida. Recentemente, foi liberado também contra a obesidade. 

“O que se viu é que a substância não só não faz mal como também protege o coração dos diabéticos. E é uma notícia excelente”, disse à Saúde!Brasileiros a endocrinologista Rosângela Rea, coordenadora do braço da pesquisa realizado no Brasil que envolveu 700 pacientes. 

Segundo o cardiologista Francisco Saraiva, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP) e um dos pesquisadores do estudo, o efeito protetor da substância abre um novo campo de ação para os especialistas. “Até recentemente, não tínhamos um medicamento que reduzisse a glicose e protegesse o coração”.

O efeito cardioprotetor do composto foi inesperado. O objetivo principal do estudo era confirmar sua segurança e avaliar se o remédio não fazia mal ao coração e às artérias. Isso porque desde 2008, por exigência do FDA (a agência reguladora de medicamentos americana), fabricantes devem comprovar que seus medicamentos para o diabetes não agravam doenças do coração. 

A medida foi adotada depois que um dos medicamentos disponíveis para tratamento da doença foi retirado do mercado por aumentar os riscos para o coração. No ano passado, outro medicamento mais recente contra o diabetes, a dapaglifazina, também comprovou seus efeitos cardioprotetores. “Essa geração de medicamentos com impacto cardioprotetor melhora as perspectivas do tratamento”, diz a endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo. 

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Remédio comprovou eficácia para proteger o coração. Foto: Ingimage

Como foi o estudo

A pesquisa foi feita em 32 países e envolveu um grupo de 9.340 pessoas diabéticas com alto risco de doença cardíaca. Isso ocorre porque a evolução da doença fragiliza os vasos e artérias e, dependendo de sua evolução, também prejudica a função renal. Desse contingente, uma parte tomou o liraglutida (4668), enquanto a outra foi tratada com drogas placebo (4672) e acompanhada por uma média de 3,8 anos.

Os diabéticos que tomaram o remédio receberam injeções diárias, aplicadas com uma canetinha especial. Os participantes tinham idade média de 64 anos. Também 64% eram homens e 73% tinham doença cardiovascular prévia.

Tanto os pacientes que tomaram o remédio como os que foram tratados com placebo se utilizaram de outros medicamentos para controlar o diabetes e condições associadas, como hipertensão arterial e altos níveis de colesterol. Todos foram monitorados e receberam visitas mensais no primeiro mês, no terceiro e a cada seis meses até completarem cinco anos de tratamento. 

Os exames de sangue, amostras de urina e eletrocardiograma foram feitos no início do estudo e depois anualmente. Para avaliar se havia doença renal por causa da diabetes, foram verificados os índices de creatinina e de proteína em exames de urina a cada seis meses. 

Quedas e problemas renais

Na prática, a redução de 13% da mortalidade cardiovascular esperada no grupo que participou do estudo evitou a morte de 98 pessoas, de acordo com os pesquisadores. Além disso, a análise dos dados em separado mostrou aos pesquisadores uma diminuição de 15% de risco de morrer por qualquer causa. Neste item, pode-se incluir, por exemplo, uma queda após um pico de hipoglicemia (a diminuição brusca da taxa de açúcar no sangue). 

Os dados do estudo mostram ainda chances 22% menores de virem a ter doença renal em comparação com os que tomaram placebo. Quanto aos efeitos colaterais, o estudo confirmou que pode haver náuseas, vômitos e cálculos renais e de vesícula.

“Nossos resultados devem dar aos pacientes e prestadores de serviço o conforto de que o liraglutida pode melhorar com segurança os resultados para além do tratamento principal da diabetes tipo 2”, disse o principal investigador do trabalho, John Buse, da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill. 

“Além disso, o liraglutida reduziu o risco de complicações mais graves associadas com a diabetes do tipo 2, incluindo o risco de morte. É emocionante ver esse efeito em uma gama ampla de pacientes, porque a maioria dos estudos anteriores de medicamentos para diabetes não demonstraram tais benefícios”, disse Buse à uma plateia de milhares de pessoas. 

Para o endocrinologista Walmir Coutinho, do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro e também pesquisador desse trabalho, a informação de que o remédio ajuda a poupar o coração será rapidamente incorporada à prática do consultório. “Rapidamente os médicos passarão a incluir essa opção no tratamento”, assegura o especialista. 

O preço do remédio no Brasil, entretanto, deve limitar o acesso ao tratamento. Uma caneta com doses suficientes para cerca de um mês pode custar entre R$ 240 e $ 400. 


(*) A repórter viajou a New Orleans para acompanhar o 76th Congresso da Associação Americana de Diabetes a convite da empresa Novo Nordisk