Antes de se dedicar à pesquisa dos efeitos do estigma social sobre as pessoas acima do peso, a cientista Angela Meadows já conhecia na pele o efeito do peso considerado “fora dos padrões adequados”. O mais difícil era aceitar como ela, conhecedora das teorias sobre atividade física e nutrição, continuava gorda.
Foram anos a fio de insatisfação até que, durante o mestrado, ela se deparou com uma lição que mudou a sua vida: “Aprendi que obesidade é menos importante para a saúde do que boa condição física”, explica Angela na página do projeto que criou, o Never Dieting Again UK (“Dieta nunca mais Reino Unido”, em tradução livre).
Na entrevista, ela conta à Saúde!Brasileiros porque acredita que a sociedade está lutando contra o alvo errado ao eleger a obesidade como inimiga da saúde.
Saúde!Brasileiros: Hoje há países que consideram a obesidade uma doença. O que acha disso?
Angela Meadows: Há muitos cientistas que defendem que não faz sentido considerar a obesidade como uma doença, uma vez que quilos a mais não significam problemas de saúde. Pessoalmente, considero um erro definir o formato de um corpo como doença.
É errado dizer que alguém com determinadas proporções corporais é uma pessoa doente. Na verdade, em 2013, quando a Sociedade Médica Americana (AMA, em sua sigla em inglês) votou por tornar “obesidade” uma “doença”, isso ocorreu um dia após o próprio comitê científico da organização recomendar que não se fizesse tal classificação.
Quais são os problemas com essa abordagem?
Há uma série de questões. Várias pessoas magras possuem essas enfermidades, mas são subdiagnosticadas e não recebem tratamento porque ninguém está prestando atenção para o surgimento dessas doenças nesse contexto.
Também estudos analisando os níveis de atividade física sempre mostram que pessoas com boa condição física têm melhor desempenho nos testes, independentemente do peso.
Nos últimos cinquenta anos, bilhões de dólares e centenas de milhares de anos da vida das pessoas foram gastos tentando nos fazer mais magros, porém nós nos tornamos mais e mais gordos.
Os estigmas gerados podem impactar sobre os hábitos saudáveis das pessoas acima do peso?
A estigmatização aumenta o risco da pessoa comer compulsivamente e leva a estratégias não saudáveis para compensar essa situação, como o uso de drogas… Ainda pior: Quando você recebe constantemente a mensagem de que seu corpo está errado, você pode internalizar o estigma.
O que a sua pesquisa tem demonstrado?
Minha pesquisa e a de outros especialistas têm sugerido que quando ocorre a internalização do estigma, as chances de surgirem comportamentos negativos são ainda maiores do quando a pessoa experiência o estigma.
Além do efeito sobre o comportamento, viver em um ambiente hostil é um fator crônico de estresse e nosso corpo irá responder a ele da maneira como sabe reagir a situações estressantes: com hormônios do estresse.
Esses hormônios aumentam a resposta às inflamações. Então, conviver com preconceito pode aumentar os riscos de doenças cardíacas, hipertensão e diabetes, entre outras doenças. Todas essas enfermidades estão normalmente associadas à obesidade, mas eu me perguntaria: O que está causando o problema são as células de gordura ou a maneira como as pessoas estão sendo tratadas?
No caso das crianças os efeitos podem ser piores? Elas podem se sentir mais feias
ou menos capazes que seus colegas magros?
Muitos dizem que a “guerra contra a obesidade” é sobre a gordura em si, não sobre crianças gordas. Entretanto, crianças ainda não desenvolveram as habilidades necessárias para lidar com essas nuances.
Elas sabem que elas são diferentes e começam a ser tratadas de maneira diferente desde muito cedo – crianças de três anos de idade já possuem opiniões negativas sobre meninos e meninas gordos.
Há um alto índice de problemas psicológicos, como estresse, ansiedade e depressão entre crianças gordas, assim como um grande risco de ideias suicidas – que alguns chegam mesmo a realizar.
Como tudo isso pode ser alterado do ponto de vista das políticas públicas?
As políticas precisam se focar em aceitar a diversidade dos corpos e em viver da maneira mais saudável o possível, sem centrar na manipulação do formato do corpo das pessoas.
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