Travessia. A última palavra de Grande Sertão: Veredas é também a que melhor define o livro; a narrativa, afinal, percorre a geografia íntima do jagunço Riobaldo (“Sertão: dentro da gente”) e a geografia real de chapadas, rios, veredas e desertos. Paisagens que refletem os olhos verdes de Diadorim e onde ecoam os tiros de batalhas sangrentas, o galopar dos cavalos, o escárnio do Coisa-Ruim. A leitura dessa obra que completa 60 anos também é travessia, aventura que, se começa um tanto árdua, aos poucos ganha a velocidade empolgante das descobertas. Assim como a escrita alquímica de João Guimarães Rosa. Em estado febril, o médico, diplomata e escritor não poupou esforços para criar este que é tido como um dos 20 maiores romances do mundo. “Não faça biscoitos, faça pirâmides”, dizia. Atravessou noites e dias durante alegados sete meses – número cabalístico – para completar sua maior pirâmide. Segundo Otto Lara Resende, “sustentava que o escritor devia concentrar-se, condensar-se, viver monacalmente para sua obra, preparar-se longamente para ela e pôr-se ao trabalho sem hesitação ou fadiga.”
Nonada. Barulho que se ouve é do trem que chega, bufando, sem pressa. Em frente à estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, na Cordisburgo em que nasceu o escritor, está a antiga venda de seu pai, Florduardo, o “seu Fulô”, onde moravam. Desde 1974 está instalado ali o Museu Casa Guimarães Rosa. Um quarteirão mais adiante fica a curiosa loja de José Oswaldo dos Santos, mais conhecido como Brasinha. Nela se encontra de tudo: capacete de guerra, sanfonas, bonecas, moringas, berrantes, retratos, lamparinas, livros. Pendendo do teto, muitas fotos enquadradas, de Che e Fidel, de Artur Bispo do Rosário e, claro, de Guimarães. No chão, apoiadas num balcão, há várias placas metálicas onde pintou frases e nomes tirados do GSV (sigla para Grande Sertão: Veredas). Nada, porém, está à venda. O empório é um santuário surreal à memória. “Tem hora que eu chamo aqui de Gruta do Ali Babá. Comecei a colocar as coisas e as pessoas entravam, viam os objetos e contavam histórias”, diz, com certa candura, abrindo um largo sorriso.
Olhos claros, pele curtida pelo sol, chapelão na cabeça. Tem 64 anos. Vive em Cordisburgo desde bem pequeno. Estudou até o ginásio, mas tem aquela sabedoria que Rosa tanto admirava em Manuelzão, Zito, Bindóia, Gregório, Tião Leite, vaqueiros que o escritor acompanhou numa boiada, durante 12 dias, em 1952. Brasinha conviveu com alguns deles e ouviu dos próprios como foi a mítica viagem que inspirou a feitura do GSV. “Todo mundo chamava ele de João Rosa. O Zito era o poeta e o cozinheiro. Estava sempre escrevendo. E não era cardápio – ele tinha descrito toda a viagem em versos. O Guimarães Rosa quase pirou. O Manuelzão era o filósofo. O Bindóia era o vaqueiro cantador. Cantava aboio sem parar. Manuelzão, que era uma pessoa maravilhosa, me disse: ‘Ô Brasinha, eu devia de ter pegado também um caderninho e anotado tudo o que ele falava, né não?’”
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