Comer menos beneficia o cérebro, aponta pesquisa

Entender e comprovar a relação entre comer menos e viver mais é um desafio que atrai o interesse dos cientistas. Estudos com várias espécies animais sugerem que a redução do consumo de alimentos beneficia a saúde cerebral, ainda que os mecanismos moleculares pelos quais a restrição calórica pode proteger contra doenças não estejam devidamente explicados. 

Novas pistas para entender esses processos foram apresentadas recentemente em artigo publicado na revista Aging Cell, pela equipe do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). 

Em experimentos com células no laboratório e testes com animais, os cientistas viram que a diminuição de 40% nas calorias da dieta regular aumenta a capacidade da mitocôndria (parte da célula responsável pela produção de energia) de captar e ajustar a presença de cálcio no meio celular. No cérebro, isso pode ajudar a evitar a morte de neurônios associada a doenças como Alzheimer, Parkinson, epilepsia e acidente vascular cerebral (AVC).

“Mais do que promover as vantagens de comer pouco, nosso objetivo é compreender os mecanismos que fazem com que não exagerar na ingestão de calorias seja melhor para a saúde. Isso pode apontar novos alvos para o desenvolvimento de drogas contra diversas enfermidades”, comentou Ignacio Amigo, autor principal do artigo. A investigação foi conduzida no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP).

Por mecanismos moleculares ainda desconhecidos, comer menos parece aumentar a quantidade de substâncias neuroprotetoras. Foto: Ingimage
Por mecanismos moleculares ainda desconhecidos, comer menos parece aumentar a quantidade de substâncias neuroprotetoras. Foto: Ingimage

Conforme explicou o pesquisador, o cálcio é uma molécula que participa do processo de comunicação entre os neurônios. No entanto, doenças como o Alzheimer podem deflagrar alterações que aumentam a receptividade do neurotransmissor glutamato, resultando em uma entrada excessiva de íons de cálcio na célula. Tal condição é conhecida como excitotoxicidade e pode causar danos e até mesmo a morte de neurônios.

Com o objetivo de verificar o efeito da restrição calórica quando ocorre a excitotoxicidade, os cientistas do Redoxoma compararam dois grupos de camundongos. Um grupo recebeu ração à vontade durante 14 semanas e, no final do experimento, estava com excesso de peso. O outro grupo, durante o mesmo período, recebeu uma quantidade de ração controlada, com redução de 40% nas calorias ingeridas. Os animais que comeram menos foram suplementados com vitaminas e minerais que ficariam abaixo do ideal com a restrição calórica. 

O primeiro teste consistiu em injetar nos animais uma substância chamada ácido kaínico, molécula semelhante ao neurotransmissor glutamato e com efeito parecido (induzir a entrada de cálcio nos neurônios), porém mais persistente. Em camundongos, a droga pode provocar convulsões, dano e morte de células neuronais. É usada em laboratório para mimetizar a epilepsia.

“Usamos uma dose pequena para não causar a morte do animal. Ainda assim, todos os roedores do grupo que comeu à vontade tiveram convulsões. Já os camundongos submetidos à restrição calórica ficaram bem”, contou Amigo.

Estratégias de controle

Segundo o pesquisador, estudos anteriores haviam mostrado que é possível proteger o cérebro de danos causados pelo excesso de cálcio, como o que foi induzido no laboratório, aumentando a captação do mineral por aquelas estruturas incumbidas de gerar energia (as mitocôndrias). “Decidimos verificar se era o que estava acontecendo com os animais que não tiveram convulsões. Isolamos essas estruturas do cérebro dos animais para comparar os que comeram à vontade com aqueles submetidos à restrição de 40% das calorias. À medida que adicionávamos cálcio no meio, foi possível observar que a captação era maior nas mitocôndrias do grupo que ingeriu menos calorias”, contou.

O passo seguinte foi observar o que acontecia ao tratar as mitocôndrias isoladas de ambos os grupos com a droga ciclosporina – sabidamente capaz de induzir um aumento na captação de cálcio. Enquanto as organelas do grupo controle de fato passaram a captar maior quantidade do mineral, aquelas do grupo submetido à restrição permaneceram iguais, ou seja, a diferença observada no teste anterior desapareceu.

“O alvo dessa substância na mitocôndria é bem conhecido: a droga inibe a ação de uma proteína chamada ciclofilina D e, quando isso acontece, há maior captação de cálcio”, explicou Amigo. No entanto, análises revelaram que os níveis da proteína ciclofilina D eram iguais nos dois grupos de ratos. Os pesquisadores decidiram então avaliar a concentração de outras proteínas que poderiam interferir na ação da ciclofilina D no organismo. “Descobrimos que a restrição calórica induziu um aumento nos níveis de uma proteína chamada SIRT3, que é capaz de inibir a atividade da proteína em questão, fazendo as mitocôndrias captarem mais cálcio e tornando-as insensíveis à ciclosporina”, explicou o cientista Amigo.

Neuroproteção

Como já havia sido observado em trabalhos de outros grupos, a equipe de pesquisadores notou ainda um aumento de algumas enzimas antioxidantes nas mitocôndrias do grupo submetido à restrição. Segundo os cientistas, tais resultados sugerem um aumento na capacidade cerebral de lidar com o estresse oxidativo – condição que participa da gênese de várias doenças degenerativas.

A restrição calórica, seus efeitos metabólicos e de sinalização celular têm sido foco de muitos estudos no IQ-USP. Dados preliminares sugerem que a mudança no transporte de cálcio mitocondrial induzida pela restrição calórica pode acontecer também em outros tecidos, além do cerebral, com diferentes repercussões.

Na avaliação de Amigo, as proteínas que tiveram a atividade alterada pela intervenção nutricional no atual estudo são potenciais alvos a serem explorados no tratamento de doenças em que há perda neuronal por excitotoxicidade.


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