Ai Weiwei entre a arte e o poder

Desde abril, Ai Weiwei cumpre silêncio obsequioso de um ano. Está proibido de dar entrevistas e se comunicar nas redes sociais. A mídia ocidental sente falta da barbicha do corpulento artista chinês que se tornou, nos últimos anos, uma das poucas vozes a incomodar – em inglês – a inabalável ascensão econômica do “Império do Meio”. Como um Michelangelo, genial e turrão, às voltas com o, às vezes severo, outras vezes complacente (mas sempre astuto), Papa Julio II, Ai Weiwei tem uma relação de amor e ódio com o establishment comunista.

O artista chinês ficou famoso com a performance de 1995, intitulada Dropping a Han Dynasty Urn, na qual literalmente deixava cair um vaso de porcelana chinesa antigo. Rompimento com a tradição? Denúncia da modernização capitalista da China? Fez ainda uma escultura com 1001 portas e janelas de edifícios demolidos. Crítica à China em transformação?
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Quando o país se uniu para dizer ao mundo que havia se tornado uma superpotência – na Olimpíada de Pequim, em 2008 – o governo chinês fez vistas grossas às críticas políticas e chamou seus grandes artistas para dar sua contribuição à pátria. O cineasta Zhang Yimou, por exemplo, foi convidado a dirigir o mega-espetáculo de abertura dos jogos. Yimou havia tido seus filmes “Tempo de Viver” e “O Sorgo Vermelho” censurados. Ai Weiwei foi convidado a coordenar a equipe de arquitetos responsável pela construção do Estádio Olímpico de Pequim, apelidado de “Ninho de Pássaro”. O governo precisava de um autêntico chinês para, digamos, salvar as aparências, já que o projeto mesmo era dos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron. Ninguém melhor do que Weiwei, filho de um famoso poeta chinês, Ai Qing, que havia sido denunciado como decadente durante a Revolução Cultural, e enviado para trabalhar no campo com a família.

Apesar disso, o jovem Weiwei conseguiu se matricular na Beijing Film Academy. Em 1981, aos 24 anos, foi autorizado a estudar na Parsons The New School for Design, de Nova York. Voltaria à China 12 anos depois, com o discurso rebelde afiado, naturalmente.

Os casos de Yimou e Weiwei são emblemáticos dos dilemas da sociedade chinesa contemporânea. Por um lado, é verdade que eles foram beneficiados pela abertura econômica e cultural de Deng Xiaoping. Por outro, não é menos verdade que eles devem sua formação ao sistema chinês, que permitiu que estudassem e se dedicassem exclusivamente ao que queriam. Espertamente, o governo chinês se aproveita dessa ambiguidade. E os artistas se deixam usar, ocasionalmente, em nome da humanização das transformações pelas quais a China passa. Ou não.


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