Ao fotografar?objetos e animais apreendidos pela polícia, Bob Wolfenson escancara um fundamento central da arte de capturar imagens. Ele nos lembra que a própria fotografia é, em sua essência, também uma apreensão, uma captura. E quando nos coloca como espectadores, diante de uma dessas apreensões duplicadas, abre um estimulante jogo metalinguístico de reflexos.

Apreendemos aquilo que ele apreendeu do que foi apreendido. Apreendemos exponencialmente. Uma arte que reflete sobre sua própria essência nos leva a pensar sobre a nossa. Ainda que diga algo muito relevante sobre uma sociedade cingida pelo crime ou sobre uma época superlotada de mercadorias, o ato de retratar armas confiscadas, celulares contrabandeados e animais silvestres engaiolados vai além da ideia de denúncia social. Recapturado, cada um desses arranjos ready-made, tendo sido antes made por um homem da lei e depois shot por um homem da luz, constitui uma obra autônoma que penetra individualidades.
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E como toda experiência artística transformadora, contém um grau benigno de ameaça à segurança privada. Nesse tiro essencialista, Wolfenson ainda expande o conceito de um gênero tradicional das artes visuais: a natureza-morta.

A alma do still life de alta definição e periculosidade está impregnada, tanto de natureza (a humana) como de morte (idem). Esta polaridade alternada energiza não só os objetos inertes da imagem exposta, mas também as imagens internas da nossa mitologia pessoal. Somos impelidos a imaginar as histórias que a muamba sonega. Quem a concebeu? De onde veio? Para onde ia? Essas questões, sempre seminais, colocam em movimento os textos que constituem nosso sistema operacional íntimo, os mitos formadores da nossa visão do mundo. E o ciclo de capturas proposto por Bob Wolfenson se revela liberador.


Apreensões – Bob Wolfenson. Editora Cosac Naify, 48 páginas, 20 imagens. Durante a SP-Arte/Foto 2010, a galeria Millan exibirá fotos de Bob Wolfenson.


Carlos Nader é autor do prefácio do livro Apreensões, Cosac Naify, reproduzido acima


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