Potência mercadológica e histórica

"Accumulation: Searching for Destination" de Chiharu Shiota
“Accumulation: Searching for Destination” de Chiharu Shiota


Por um breve período de seis dias, a Art Basel, segunda feira de arte criada no mundo após a pioneira Art Cologne, recebeu um público de 98.000 visitantes que percorreu estandes de 286 galerias vindas de 33 países. Estas representam o que há de mais estável e promissor no contexto da arte – não somente em termos mercadológicos, mas também a caminho da história da arte. Justamente neste mês de junho, auge da temporada europeia, pôde ser notada uma inversão de papéis. Tanto a Bienal Berlim, inaugurada em 3 de junho quanto a Manifesta, inaugurada em Zurique em 10 de junho, tiveram como curadores, respectivamente, os artistas Christian Jankowski e o coletivo DIS – Lauren Boyle, Solomon Chase, Marco Roso e David Toro. Enquanto isso, a Art Basel aposta em segmentos especiais definidos por curadorias atreladas a obras de artistas das galerias participantes, o que é um prazeroso desafio, ao considerarmos o vasto repertório de artistas por elas representados.

Gianni Jetzer, curador do Hirshhorn Museum and Sculpture Garden de Washington, assumiu a curadoria do segmento Unlimited, composto de 88 obras. É aqui que o público entra em um processo de imersão ao vivenciar a arte em sua monumentalidade entre peças históricas e outras concebidas para este contexto. Nesta ampla diversidade, o visitante se depara com experiências sensoriais de luz e cor como na obra de James Turrell, representado pela galeria OMR da Cidade do México, ou se vê perseguido e observado por câmeras de segurança, como na instalação interativa Zoom Pavillion, de Rafael Lozano-Hemmer and Krzysztof Wodiczko, representados por Carroll/Fletcher de Londres. Esta perseguição presente no cotidiano pode ser também visualizada na obra  Accumulation: Searching for Destination, de Chiharu Shiota, representada por Daniel Templon, composta de 300 malas usadas suspensas e em movimento – alusão aos movimentos migratórios e o êxodo político vivenciado hoje na Europa. Neste ano, a Unlimited apresentou um número representativo de artistas brasileiros, dado ímpar em comparação a versões anteriores da Art Basel: Chelpa Ferro (Sprovieri), Laura Lima (A Gentil Carioca, Tanya Bonakdar Gallery e Galeria Luisa Strina), Paulo Nazareth (Mendes Wood DM, Meyer Riegger e Galleria Franco Noero) e Tunga (Luhring Augustine e Galleria Franco Noero). A instalação Eu, Você e a Lua, concebida por Tunga em 2015, passa a ser a primeira apresentação póstuma de sua obra e aqui repleta de simbologias e materialidade, como um tronco de árvore fossilizada sustentada por dedos monumentais de bronze banhados de essência de âmbar – um rito de passagem e existência milenar a reinar em sua nova vida como obra de arte histórica – uma das últimas concebidas por Tunga.

"Eu você e a lua", Tunga
“Eu você e a lua”, Tunga

Já o curador independente Samuel Leuenberger foi responsável pela seção Parcours, cujas 19 obras selecionadas foram inseridas no panorama urbano de Basel ao redor da histórica Münsterplatz. Chuvas contínuas prejudicaram o percurso pelo Parcours, mas não lhes roubaram o impacto, como é o caso da instalação Labyrinth, de Sam Durant, feita de material de segurança desenvolvida em cooperação com prisioneiros americanos centrada na dualidade entre liberdade e prisão, movimento e imobilidade. O artista é representado por Blum & Poe, Paula Cooper Gallery e Sadie Coles HQ. O segmento de filmes de artistas e sobre artistas teve curadoria de Maxa Zoller. Foram apresentadas 17 posições de artistas consagrados, como Superflex (Nils Staerk), Anri Sala (Chantal Crousel, Hauser & Wirth, kurimanzutto, Esther Schipper/Johnen Galerie e Galerie Rüdiger Schöttle), Martha Roesler (Galerie Nagel Draxler), Fiona Tan (Frith Street Gallery), entre outros, em uma seleção digna de um festival de cinema à parte.

O sucesso da Art Basel não está, porém, nos projetos curatoriais, mas sim nas cifras negociadas nos poucos e concorridos dias da feira nos estandes individuais das galerias participantes que levaram ao todo obras de mais de 4.000 artistas ao evento deste ano. David Zwirner vendeu uma pintura de Sigmar Polke de 1988 para um cliente europeu por 6,5 milhões de euros. Sprüth Mager vendeu a obra Olyka I, de Frank Stella datada de 1973 por US$ 1,10 milhões. Hauser & Wirth encontrou um novo proprietário para a instalação Book of Night and Day, 1963-1976 de Lygia Pape por US2,8 milhões. Bergamin & Gomide vendeu três obras de Mira Schendel cada uma por aproximadamente US$ 80 mil. Neste ano havia cinco galerias brasileiras no setor principal: as veteranas Luisa Strina e Fortes Vilaça, acompanhadas de Bergamin & Gomide, A Gentil Carioca e Mendes Wood DM.

"Zoom Pavillion" de Rafael Lozano-Hemmer and Krzysztof Wodiczko
“Zoom Pavillion” de Rafael Lozano-Hemmer and Krzysztof Wodiczko

 

A programação intensa de Basel estimula seus visitantes a investigar as feiras satélites, principalmente a Liste, vista como um trampolim para jovens galerias e artistas com potencial de fazerem parte da Art Basel no futuro.  O júri da Liste, composto por especialistas da área museológica, selecionou  80 participantes de 34 países, entre as 350 inscrições. O Brasil estava representado pela galeria paulistana Jaqueline Martins, fiel à Liste nos últimos anos e à sua programação de arte conceitual com o sutil viés político.

Em um momento atípico da atualidade, repleto de incertezas, novas buscas e novos caminhos , a arte não perde seu valor e capacidade de atrair milhões de seguidores. Art Basel, a maior e mais importante feira de arte de mundo atingiu mais uma vez sua meta independentemente das turbulências do macrocosmo que envolve este microcosmo.


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