Vik Muniz fala à ARTE!Brasileiros sobre seu catálogo raisonné

Vik Muniz lança e autografa nesta quinta-feira (10), a partir de 19h, no Rio de Janeiro, o catálogo raisonné Tudo Até Agora (Capivara), publicação bilíngue que cobre 29 anos da carreira do artista plástico brasileiro, de 1987 a 2015. Com organização de Pedro Corrêa do Lago, e dividido em dois volumes, o catálogo apresenta 1400 obras, entre desenhos, esculturas e fotografias, ao longo de um total de 900 páginas. Muniz falou com a ARTE!Brasileiros. Para o artista, o catálogo mostra como sua produção acelerou nos últimos anos. “E não só isso. Passei a trabalhar em outras frentes, não ortodoxas, como a microfotografia, e voltei fazer esculturas. Documentar a produção no contexto de um catálogo também me dá mais coragem de sair dela e fazer experimentações”, diz. Leia a entrevista abaixo:

ARTE!Brasileiros – De alguma forma, os dois volumes encerram algum ciclo?

Vik Muniz – Na verdade, o fato de se mapear de uma forma completa minha produção até agora reflete a ideia de um processo em andamento, própria do catálogo raisonné. Este projeto começou há três anos, com o primeiro catálogo, e o interessante é ver como havia muita coisa de que eu não mais me lembrava, e que não havia sido incluída anteriormente. 

ARTE!Brasileiros – Em que medida o novo catálogo revela mudanças em seu processo criativo ao longo dos anos que ele cobre?

Vik Muniz – Acho que sim. Eu tenho uma produção muito extensa e, desde o início, eu tive mais interesse pelo processo do que pelo objeto resultante. Criei um método muito empírico de trabalho, em série, que me permite sempre aprender com a obra criada anteriormente, e isso é uma vantagem. Vendo as reproduções dos trabalhos agora seguindo uma cronologia, e bem documentados, possibilita que eu entenda melhor o que eu estava fazendo. O fato de eu ter feito o primeiro catálogo há três anos me deu muita clareza quanto às direções que eu queria tomar. Não vou negar que uma publicação pesada assim tenha um pouco o estigma de fechamento de ciclo, que parece o fim de sua vida. Mas neste período, na verdade, a minha produção acelerou. E não só isso. Passei a trabalhar em outras frentes, não ortodoxas, como a microfotografia, e voltei fazer esculturas. Documentar a produção no contexto de um catálogo também me dá mais coragem de sair dela e fazer experimentações. Os catálogos raisonnés de artistas já mortos têm uma característica mais técnica, com informações que servem muito ao mercado secundário, de leilões. No caso de um vivo, a linha é mais parecida com o catálogo feito para Gerhard Richter, produzido pela editora Walther König, de Colônia, na Alemanha. 

ARTE!Brasileiros – Como fica o papel da fotografia nesta cronologia de sua produção? 

Vik Muniz – O que você vê nos últimos seis anos é uma relação crescente do indivíduo com o mundo por meio da imagem, pela disseminação pessoal de fotografias, em redes sociais como o Instagram, o Facebook, e você vê o poder dessas ferramentas em termos da participação das pessoas em questões políticas, socioeconômicas. Em meu trabalho você também vê certa crônica da transição do analógico para o digital. De certa forma é impossível, como uma pessoa que trabalha com a imagem, ter uma posição passiva em relação a essa transição. Acho que a fotografia é meio predominante de trabalho, ela é importante porque é a ferramenta que criou a minha realidade como pessoa do século XX. Talvez eu seja da primeira geração de artistas diretamente influenciada diretamente pela televisão, de uma forma diária. E a fotografia ainda é para mim uma forma de ser uma forma de expressão muito forte, principalmente porque eu a trabalho no sentido material. Eu crio objetos fotográficos. Ela tem a mesma característica da relatividade, é ao mesmo tempo partícula e onda. Eu ainda tento entender a fotografia como esta membrana muito sutil que separa o mundo da mente do mundo da matéria. Minha produção questiona o papel da fotografia no contexto da imagem digital, rarefeita, disseminada. Mas sou artista de parede. Preciso engajar o artista neste recurso de ir até ao museu, à galeria, e aproximar fisicamente da fotografia. É uma ação consciente, que cria experiências diferentes para cada espectador. Eu dependo dessa fisicalidade, da escala. O catálogo aponta para estas imagens. Não são as minhas obras ali, mas imagens de imagens. É uma narrativa de meu trabalho.

ARTE!Brasileiros – Você diria que, de alguma forma, seus trabalhos são uma crônica de nossos dias? 

Vik Muniz – A relação do homem com o mundo vem se estabelecendo desde o período Paleolítico, a partir de representações. Existe uma simbiose muito grande entre a maneira como a gente compreende o mundo e esses mecanismos capazes de representá-lo para nós. Isso é uma linha que não se quebra, de 50 mil anos atrás até agora. Uma maneira sintética de a gente descrever o que é arte é a evolução da interface entre a mente e a matéria. Essa evolução, principalmente no período contemporâneo, apresenta uma aceleração muito grande da relação do homem com a imagem, esse mundo que ele expande além do sentido imediato, que existe o tempo todo e em toda parte. E esta sensação de se estar nesse mundo, sem estar, essa discrepância entre o mundo da informação e o físico, é uma grande fonte de ansiedade na contemporaneidade. Que acontece pois, ao mesmo tempo em que a gente consome estas imagens, a gente não tem nenhuma atividade gerando discernimento. Tampouco existe uma gramática imagética, não estuda a retórica das imagens. Há uma necessidade muito grande de se posicionar, não somente como consumidor, mas também como ator, numa relação com a imagem que implica um processo, não somente um produto. Profissionais como eu que tentam criar certo discernimento e aprimorar um pouco a relação do indivíduo com o mundo imagético em que ele vive. O que faz de uma imagem arte, e de outra, não arte? A imagem artística tem o poder de engajar o indivíduo para ele transcender o tema da imagem. Tem o poder de fazer o espectador pensar o que é uma imagem. Cria um diálogo. Aí tem ainda uma questão ética. Mesmo se eu não estou falando de política, a imagem tem um efeito político por esclarecer a realidade em torno da pessoa, dando a ela mais ferramentas para lidar com coisas mais práticas. O artista tem muita responsabilidade em relação à ideia futura da representação. O mundo a gente está fazendo o tempo todo, com as ferramentas que recebeu e com aquelas que estamos inventando. Temos duas indústrias formidáveis em termos de produção neste momento: uma delas é a mídia comercial, a publicidade, que tem capital, tecnologia e poder de divulgação; a outra, a arte contemporânea, que tem liberdade. As duas são complementares. Um artista que tem preconceito em relação à publicidade não vive na paisagem do século XXI. De certa forma, sou um artista como o Cézanne, que está pintando uma paisagem como ela se apresenta para mim, e como ela se apresenta para mim, e como um homem de minha época é capaz de vê-la. Só que a minha é diferente da do Cézanne. Ela é uma grande complexidade de referências que vão se formando, difíceis de se interpretar. É importante ter alguém tentando discutir esta paisagem. 

Veja abaixo imagens do catálogo raisonné de Vik Muniz:

Serviço – Lançamento de Tudo Até Agora – Catalogue Raisonné 1987-2015, de Vik Muniz
Nesta quinta-feira (10), a partir das 19h
Livraria da Travessa – Shopping Leblon – Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 – 2º piso – Leblon – Rio de Janeiro/RJ
(21) 3138-9600


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