Literatura infanto-juvenil: objetos poéticos e contos fantásticos de Rubião

Contos fantásticos de Rubião

Em comemoração ao centenário de nascimento de Murilo Rubião no ano passado, considerado um dos principais representantes da literatura fantástica no Brasil, a Editora Positivo lançou três de seus 33 contos, ilustrados por grandes e premiados artistas.  As obras trazem prefácio assinado por importantes autores nacionais, como Mariana Ianelli, Nelson de Oliveira e Nilma Lacerda. A versão ilustrada dos textos aproxima ainda mais o jovem leitor do instigante universo da ficção fantástica. Impressiona a atualidade dos temas abordados nos contos, apesar da bizarrice própria ao gênero. Bárbara é uma personagem com fome descomunal de possuir coisas, apenas pelo prazer de acumular. E manipula, sem dó, os que a amam. Teleco é um coelhinho com poder de se transformar em outros animais, que repentinamente aparece na vida de um homem pacato. Uma metáfora sobre a solidão. E em O Edifício temos a história do maior arranha-céu do mundo, cuja construção consome a juventude do engenheiro João Gaspar e de gerações de operários. Como bem define Nelson de Oliveira, esse conto pode ser lido como alegoria da condição humana ou como história real de pessoas reais. Essa definição vale, aliás, para o próprio gênero conto fantástico, homenageado nestas três belas edições. A ambiguidade interpretativa abre brechas para leituras diversas e vem em boa hora: é preciso lembrar, sempre, que nunca há uma única história a ser contada.

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“Cada Coisa”, Ilustrações de Eucanaã Ferraz e Raul Loureiro, Companhia das Letrinhas, 120 páginas

Neste inventário de objetos poéticos, o autor reafirma seu respeito ao leitor criança, oferecendo-lhe uma diversidade de formas – poemas rimados e metrificados, em versos livres ou concretos – e presenteia leitores de todas as idades. Apresentados em ordem alfabética, como numa pequena enciclopédia, os textos versam sobre objetos “antigos”, mas ainda em uso: alfinete, grampo de cabelo, lata de sardinha, máquina fotográfica, moringa, papagaio de papel. Com lirismo e bom humor, os poemas instigam e convidam a olhar cada coisa em sua singularidade universal: “o que faz do anel um anel é a coisa nele guardada” ou “a bicicleta não quer ter uma garagem só pra ela”. Há espaço, ainda, para metalinguagem nada pedante: “caderno de quê para poemas?/Caderno de areia, de água. Em edição caprichada, com capa dura e projeto gráfico impecável, as ilustrações se destacam. As colagens trazem publicações antigas repaginadas e tipografias diversas, em diálogo perfeito com o tom predominante nos textos. Talvez os versos do poema Coisando definam bem o livro: “as coisas fazem cócegas nos nossos olhos./ Os olhos sabem de tudo./ E ficam assim, refletindo, mudos,/matutanto, coisando, / cuidando do mundo.”


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