Teatro União e Olho Vivo – 50 anos na rua

Fotos: TUOV/DIVULGAÇÃO
Fotos: Tuov/Divulgação

O Teatro União e Olho Vivo (Tuov) viveu sua primeira encarnação na Universidade de São Paulo, mais especificamente no Centro Acadêmico XI de Agosto. O ano era 1966, quando o Brasil da ditadura militar estava nas mãos de Castelo Branco.

O então Teatro do XI fazia teatro estudantil, mas a vontade de exercer um papel social tirou seus integrantes do ambiente fechado da academia e levou-os para a rua. Passaram a se dedicar a uma arte popular, que fosse acessível a todos e levasse debates sociopolíticos ao povo. “O Tuov não é uma escola acadêmica, embora usemos muita teoria em nossos estudos. É uma escola popular”, aponta Graciela Rodriguez, responsável pelo núcleo de arte multimídia da trupe.

Entre os fundadores do grupo militante estava o advogado Idibal Pivetta, que havia sido presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Usava o nome de guerra César Vieira, para evitar a perseguição da censura. Foi um texto seu que inaugurou as atividades do Teatro do XI. Encenado em 1970, O Evangelho segundo Zebedeu, com direção de Silnei Siqueira, foi perseguido pelo regime: uma apresentação em São Paulo foi interrompida por pedras jogadas em uma janela de vidro e outra, no Rio de Janeiro, por tiros de metralhadora vindos do teto.

Essas e outras histórias são contadas por César – como prefere ser chamado quando o assunto é teatro – na coletânea Tuov 40 Anos, com as peças do grupo comentadas. A militância do advogado e escritor não ficou só nos palcos: ele também foi advogado de muitos presos políticos, inclusive do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do companheiro de dramaturgia Augusto Boal. Por usar suas duas armas contra a ditadura, o direito e o teatro, foi preso e torturado.

Só em 1973, com a eleição de uma nova chapa para o Centro Acadêmico e o rompimento deste com o grupo, o Teatro do XI passou a se chamar União e Olho Vivo. O nome foi tirado de uma escola de samba que fazia parte da mais recente peça do repertório à época, Rei Momo, de 1972.

O Tuov passou a ter administração própria e começou a integrar mais consistentemente a cena popular, embora já fizesse ações assim quando era um coletivo estudantil. O grupo passou a se apresentar em regiões fora do eixo tradicional, não apenas em salas de espetáculo, mas também aproveitando espaços como a própria rua e outros locais. Segundo Graciela, o projeto itinerante do Tuov fez com que muitas pessoas pudessem assistir a uma peça de teatro pela primeira vez na vida.

O movimento de migrar de bairro em bairro também tinha e tem o caráter de promover discussões sobre política com a plateia. Graciela – que se aventurou como atriz duas vezes, mas preferiu os bastidores – diz que as apresentações da companhia sempre acabam numa grande reunião. “As peças do Tuov fazem com que as pessoas pensem juntas sobre questões do lugar que habitam”, conta.

Para atingir esse público, era necessária a utilização de uma linguagem democrática. Por isso, uma espécie de tríade foi valorizada na composição temática das peças: futebol, samba e/ou circo. A fórmula tem sido um sucesso nas regiões mais esquecidas da cidade, ainda que a grande mídia muitas vezes ignore o trabalho do grupo, que também se apresenta em cidades no entorno da capital.

Com o tempo, os integrantes perceberam o poder da influência das peças sobre as pessoas, cada vez mais engajadas. Graciela lembra o exemplo de Oswaldo Ribeiro, morador de São Miguel Paulista, bairro da zona leste de São Paulo, que se entusiasmou tanto com o que viu que entrou para o grupo. Após participar do espetáculo João Cândido do Brasil: A Revolta da Chibata (2001), ele abraçou várias causas em sua vizinhança, tornando-se uma liderança popular.

“Não descartamos a academia, mas é a realidade concreta do ambiente em que estamos nos apresentando e discutindo que nos importa no fim”, pontua a artista visual sobre o processo criativo. As construções são coletivas e incorporam as contribuições do público, que denuncia as inúmeras precariedades desses espaços esquecidos pela gestão da prefeitura ou do estado. “O que fazemos é uma coisa um tanto mambembe, bem romântica no sentido de intervenção no fluxo da cidade”, ela completa.

EXPOSIÇÃO

Por tudo isso, o Tuov sempre foi tratado como marginal ou amador pela classe teatral. É o que acredita Alexandre Benoit, curador da exposição Tuov 50 Anos – Em Busca de um Teatro Popular, que está em cartaz em sua sede até 2 de julho.

Apesar disso, ganhou vários prêmios no Brasil e tem uma carreira internacional bem sólida. “Talvez eles tenham um reconhecimento lá fora que não tiveram dentro do próprio País”, comenta Benoit. No exterior, o grupo criou vínculos com outras companhias, formando uma rede cênica na América Latina, com parceiros da Argentina, Colômbia e Peru, entre outros. Além disso, possui uma forte ligação com Cuba, onde ganhou um dos maiores prêmios latinos, o Casa das Américas, em 1985.

No mesmo ano, levou o prêmio venezuelano Ollantay. Foi ainda ao Egito, em 1996, onde se apresentou no 8° Festival Mundial Experimental de Teatro do Cairo. Lá, César foi homenageado com o Prêmio Cidadão Universal de Teatro.

O curador trabalha com os materiais do União e Olho Vivo há quase dez anos. “A parte mais interessante, durante a montagem da exposição, é que releio as peças e entro no universo fantástico do grupo”, avalia. Destaca as manchetes dos jornais com os abusos dos militares contra César e a censura imposta ao conjunto. Os espaços da sede do Tuov no Bom Retiro, foram ocupados com centenas de fotografias, recortes de jornais, vídeos, figurinos e adereços, dentre outras coisas. As visitações podem ser feitas de quarta a sábado, das 14h às 18h, e no domingo de encerramento.

Além da exposição, foram preparadas oficinas – iniciadas no dia 28 de janeiro – atendendo diversas áreas, como a dramaturgia, ministrada por César Vieira e Neriney Moreira, também integrante desde a formação do grupo, e a de história e memória, na qual serão utilizados fotos e vídeos, coordenada por Graciela Rodriguez. O audiovisual ficará por conta de Nana Ribeiro e André Cruz. A música ganhará um espaço especial com noções de criação e compartilhamento narradas pelo cantor e compositor Cesinha Pivetta.

As atividades de comemoração são todas gratuitas, contempladas pelo edi­tal do 28° Programa de Fomento ao Teatro, da Secretaria Municipal de Cul­tura de São Paulo. De acordo com Gra­ciela, haverá uma série de conversas, ao final da exposição, para compartilhar experiências. Também está sendo gravado um filme documental, intitulado Tuov 50 Anos de Resistência.


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