Umidade poética

A poeta mineira Simone Teodoro. Foto: Reprodução / Youtube
A poeta mineira Simone Teodoro. Foto: Reprodução / Youtube

Em vão, estendes os braços trágicos
à procura da alavanca que possa
frear o irreversível.

Estás só, estática esfinge

As minas das gerais têm um vento poético que nem sei de quê, mas que têm, têm. E são ventos múltiplos, passando, esfregando-se por tantas mulheres e por homens que expandem a poesia brasileira.

Simone Teodoro é um desses ventos úmidos, vindos dos rios e riachos, que buscam caçar filigranas pelas ruas da cidade de Belo Horizonte com lampejos de uma febre de quem devora o que lhe vem pela frente. Ela é natural de Belo Horizonte, com graduação em Letras e mestrado em Literatura Brasileira, pela UFMG.
Conheci-a faz um ano e, em breve conversa, decidimos nos ver. Fomos ao Maletta (edifício famoso na capital mineira), onde poetas e outros misturados da cidade vão; local afeito, portanto, à sua personalidade e a meus cheiros de vida boêmia.

Falando-me da vida e da cidade, soltava macambiras e hálitos florais pelo olhar, soletrando as palavras ora de modo tênue, ora em rompante. Contou-me dos livros com que trabalha e recitou alguns de seus poemas.
Nos becos, ora largos, ora estreitos de sua fala, às vezes perde o olhar para procurar a palavra exata, como boa poeta que é, mesmo estando cercada de amigos.

Sua leitura da poesia sobe ligeiramente ladeiras e faz desfilar líricos locais, nacionais e internacionais. Recita com a facilidade de quem devora versos e arrota Drummonds. Há uma tessitura fêmea em sua escrita de sóis gulosos, como no poema The Cure, Drummond e febre:

Recolheu lascas de Si,/ Seu instante de febre./ Ergueu-se./ Sozinha no escuro. (Se você gritasse…) Absurda,/ marcha./ Para onde? /No dorso encurvado/ de um anjo/ respostas em cifras/ eternizam o enigma.

Em prefácio ao seu primeiro livro, Distraídas Astronautas (Patuá, 2014), a poeta mineira Ana Elisa Ribeiro falou: “Simone tem uma linguagem simples, sem grandes barroquismos lexicais, mas, de outro lado, atua basicamente sobre as imagens. E elas nem sempre são fáceis. Se ela escolhe as palavras mais doces e melífluas para falar de amor e outros objetos contundentes, também opta por embaçar a língua portuguesa ao construir imagens que poderiam descrever um quadro ou uma cena de cinema. O cinema opaco de qualquer diretor menos pop.”
Seu segundo livro, Movimento em Falso (Patuá, 2016) nos prega surpresas, mesmo que o mote amor continue, como no poema Dafne:

Por um tempo/ habitei no cerne de uma estranha palavra/ do meu ventre se ergueu/ imponente Sequoia Gigante/ Avançou/ expandindo os espaços entre/ os ossos/ rumo aos pulmões/ e garganta…a cortiça/ matéria morta que me reveste/ o tronco/ é o que me retém em mim/ a umidade.


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