Defensores do impeachment de Dilma estão insatisfeitos com Temer, diz pesquisador

Foto: EBC
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Esvaziadas, as manifestações anticorrupção e em defesa da Operação Lava Jato convocadas por todo o País no último domingo foram consideradas um fracasso. Segundo estimativas de organizadores, cerca de 15 mil pessoas foram à Avenida Paulista. O maior dos protestos de 2016 chegou a juntar 500 mil manifestantes, segundo o Datafolha. Para o professor da USP Pablo Ortellado, coordenador de pesquisas de perfis de manifestantes, o esvaziamento dos atos se deve à proximidade de alguns dos movimentos que convocaram os protestos,  como o MBL, ao governo de Michel Temer .

Segundo Ortellado, manifestantes que saíram às ruas em peso pedindo o impeachment de Dilma Rousseff estão insatisfeitos com o atual governo: “Ao que tudo indica, o partido do presidente Temer está amplamente implicado nessas manobras para barrar a Lava Jato e os organizadores têm uma relação muito ambivalente de, por um lado, dar vazão a essa demanda anticorrupção da sociedade e, por outro lado, estarem apoiando implícita ou explicitamente o governo Temer.  Isso tem gerado desconfiança dos manifestantes”.

Leia a entrevista abaixo:

As manifestações de domingo esvaziaram. Por quê?

As manifestações foram as menores da série que começou no final de 2014, com exceção da primeira. Foram muito pequenas no Brasil inteiro, com exceção de São Paulo e Curitiba.

Mobilização popular é de difícil controle, às vezes cresce e diminui de forma a fugir do controle de quem está convocando. Tem uma dinâmica própria, que nos impede de saber que tamanho terá. Por outro lado, a ambivalência dos organizadores com relação ao governo Temer deve ter influenciado no sucesso da manifestação.  A manifestação era contra as manobras para impedir a Lava Jato. Ao que tudo indica, o partido do presidente Temer está amplamente implicado nessas manobras e os organizadores têm uma relação muito ambivalente de, por um lado, dar vazão a essa demanda anticorrupção da sociedade e, por outro lado, estarem apoiando implícita ou explicitamente o governo Temer.  Essa posição ambivalente tem gerado desconfiança dos manifestantes.

Quais as pautas que foram levantadas?

A única coisa que havia em comum entre as manifestações era a defesa da Lava Jato. Cada grupo trouxe a sua pauta adicional. O fato de essas pautas terem sido somadas é um esforço de alguns grupos muito próximos do governo, como o MBL, que trouxe outras pautas como a revogação do estatuto do desarmamento e uma proposta de reforma da Previdência para desviar a atenção da pauta anticorrupção que motiva as pessoas. Isso explica também o fato de o MBL ter sido o grupo que mais sistematicamente vem perdendo capacidade de mobilização. Nessa manifestação e na anterior, o carro de som do MBL tem significativamente menos gente do que no passado. Ele está se tornando uma força meio marginal com relação ao Vem pra Rua, que está se consolidando como o grande convocador desses protestos.

 

Isso porque o MBL é próximo do governo?

Sim, o MBL apoia explicitamente o governo Temer.

 

Então ganha força nesse momento o discurso apolítico.

Sim. O Vem pra Rua se apresenta como um movimento apartidário, pouco importa se ele de fato é. E que está focado na defesa da pauta anticorrupção. Isso tem feito ele ganhar centralidade na capacidade de mobilização e o MBL, que defende abertamente o governo Temer, está ficando cada vez mais marginal.

 

A gente pode ler esse esvaziamento das manifestações como um enfraquecimento do discurso da direita?

Eu não diria. Se a gente pega a série de mobilizações de 2015, elas foram reduzindo de março até dezembro, mesmo quando o deputado Eduardo Cunha aceitou a denúncia contra Dilma. Ou seja, mesmo no auge, quando as circunstâncias estavam todas favoráveis, a mobilização foi caindo e em 2016 elas explodiram de novo. Eu seria mais cauteloso porque mobilização tem uma dinâmica de expansão e redução que nem sempre está de acordo com oportunidade política e com os objetivos de quem convoca.

 

Você acha que quem foi às ruas em peso pedir o impeachment de Dilma está insatisfeito com o governo Temer e por isso as manifestações esvaziaram?

A gente tem feito pesquisas com os manifestantes desde 2015 e podemos dizer com certeza que eles estão insatisfeitos com o governo Temer.  A expressão mais própria do que essas pessoas estão pensando é que o governo Temer deveria estar no centro dessas manifestações. No fundo, se os movimentos que convocaram fossem mais independentes, teriam se colocado contra Temer e as manobras do PMDB para barrar a Lava Jato. Isso é a expressão do que as pessoas estão pedindo. Como provavelmente esses movimentos são ligados ao governo Temer, estão contornando isso com uma série de manobras, entre elas a de ampliar a pauta.

 

E das manifestações da esquerda no dia 31, o que esperar?

A Reforma da Previdência é algo que une o Brasil. Pesquisas de opinião mostram que o Brasil é contra a reforma da Previdência, inclusive as pessoas desse circuito anticorrupção. Isso apareceu na ultima manifestação contra a Previdência, no dia 15 de março, quando vimos alguns grupos de verde e amarelo, com a bandeira do Brasil e camisa da CBF. Essa é uma pauta que mobiliza e seguramente esse protesto de sexta-feira será maior do que o de domingo (26/03). Mas isso não quer dizer que vá ser bem sucedido: não basta mobilizar bastante para impedir que o Congresso faça qualquer coisa.

 

As reformas passam de qualquer forma?

A PEC do Teto teve alguma resistência, mas seguramente não foi o suficiente. A reforma da Previdência mobiliza muito mais, provavelmente, porque é muito mais fácil de ser percebida. Agora, o quão sensível é o sistema político aos protestos nas ruas é difícil saber. O sistema político tem duas preocupações: a reeleição e a Lava Jato. Tem algum elemento oculto, manobras dos parlamentares… É difícil saber o que estão pensando para se livrar da Lava Jato e em que medida essas reformas entram como elemento de barganha nessa negociação para escaparem da Lava Jato. Chama muita atenção o fato de as reformas passarem muito rápido e integralmente por um Congresso sem ideologia, que é patrimonialista, vota com quem estiver no poder e sempre meio rachado. A votação da PEC do Teto mostrou outra realidade, o Congresso votando de maneira fechada. Isso sugere que possa haver um esforço coletivo de barganha, no qual se troca reforma por uma espécie de promessa.

A Reforma Trabalhista foi mais dividida, mas ao mesmo tempo passou com folga e sem modificação, exatamente como o governo queria. Nos governos FHC e Lula não era assim. Isso não é o padrão do Congresso, de jeito nenhum.

 

E o que isso diz sobre as eleições de 2018?

É muito cedo ainda, mas as pesquisas mostram que Lula renasceu com enorme força, é favoritíssimo para ganhar as eleições. E a presença dele na manifestação da Previdência mostra que um pedaço das pessoas ali vê ele como uma salvação. Por outro lado, ele tem 31% de aprovação e 45% de rejeição. É difícil saber como essa mobilização vai impactar a candidatura e como a participação de Lula vai impactar na campanha, ou seja, se a participação dele ajuda ou atrapalha.

 

E do lado da direita?

Para além dos tradicionais, Alckmin e Aécio, a ascensão de duas figuras: Bolsonaro e Doria, com o fortalecimento do discurso apolítico. Quem está mais de acordo com o espírito do tempo, cada um a seu modo, são Bolsonaro e Doria. Acontece que isso não é suficiente, tem que ter tempo de televisão, aliança, financiamento de campanha e aí as coisas complicam para esses dois.

 


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