Entidades criticam PEC 241; protestos contra medida continuam

Manifestação em São Paulo - Foto: Mídia Ninja
Manifestação em São Paulo – Foto: Mídia Ninja

Prioridade do governo Michel Temer, a PEC 241 foi aprovada em primeiro turno na Câmara na terça-feira (11), em meio a protestos e controvérsias, e ainda precisa passar por uma segunda votação na Casa – prevista para o dia 24 ou 25 de outubro. O texto também passará por votação em dois turnos no Senado. Manifestações contra a PEC 241 acontecem em diversas cidades do País.

Alvo de críticas, até o presidente Michel Temer, principal entusiasta da PEC, admitiu a possibilidade dela ser revista: “Fixamos 20 anos, que é um longo prazo, com revisão em dez anos. Mas eu pergunto: não se pode daqui quatro, cinco, seis anos; de repente o Brasil cresce, aumenta a arrecadação e pode se modificar isso? Pode. Propõe uma nova emenda constitucional que reduz o prazo de dez anos para quatro, cinco”, disse Temer em entrevista à Globonews.

De acordo com a proposta de emenda, a partir de 2017, os gastos públicos primários do governo federal – que exclui despesas com a dívida pública – serão congelados por 20 anos, corrigidos de acordo com a inflação do ano anterior. Para as áreas de saúde e educação, os gastos serão limitados a partir de 2018 – alteração feita pelo governo após repercussão negativa da proposta.

As críticas à PEC, vista como um projeto de desmonte do Estado de bem-estar social do País, não vêm apenas dos partidos de esquerda e de oposição ao governo de Michel Temer. Um teto de gastos durante 20 anos, independentemente do crescimento do PIB ao longo desse período, não ocorre em nenhum outro país do mundo. Entidades como o Todos pela Educação, movimento mantido por Itaú, Bradesco, Santander, Gerdau e Natura, entre outros, dizem que a proposta é um “retrocesso para a educação”. Na área da saúde, entidades como a Fiocruz, o Conselho Federal de Medicina, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva se posicionaram contra a medida.

Economistas favoráveis a um teto de gastos, como Felipe Salto e Monica de Bolle, em artigo para o El País, criticam diversos aspectos da PEC 241, como o prazo de 20 anos e a proibição dos chamados créditos orçamentários suplementares, mesmo no caso de despesas obrigatórias, como o pagamento de benefícios previdenciários: “Se houver superação da estimativa de receita, tudo irá para o superávit primário ou para reduzir o estoque de restos a pagar, não há escolha de política econômica. Para que servirão os Ministérios da Fazenda, do Planejamento, se tudo será automático?”.

Atualmente, a Constituição garante um gasto mínimo para as áreas de educação e saúde que acompanha o crescimento da arrecadação de impostos. Caso a PEC 241 seja aprovada, esse mínimo será apenas reajustado pela inflação anterior, sem levar em consideração o aumento de receitas. Não há um limite de gastos para cada setor, mas benefícios da Previdência, por exemplo, que continuarão crescendo acima da inflação, obrigarão o governo a comprimir as demais despesas para não ultrapassar o teto geral, em áreas como cultura, ciência e tecnologia e investimentos em infraestrutura. Além disso, o aumento da população em meio ao congelamento de gastos resulta em queda de gastos per capita. Isso significa menos despesa para cada aluno e cada doente, por exemplo.

Caso o governo descumpra o teto de gastos, fica impedido de elevar despesas obrigatórias acima da inflação, como o pagamento de aposentadorias, pensões, salários de servidores e benefícios assistenciais. Muitas dessas despesas são indexadas ao salário mínimo, o que compromete o aumento real desse valor – garantido por lei.

Um documento assinado por economistas e apoiado por líderes da oposição e da Minoria no Congresso contra a PEC 241 foi lançado na Câmara. O economista Pedro Rossi, professor da Unicamp, é um dos autores da publicação e disse que a medida reduzirá o crescimento do País: “Esse trabalho foi feito com vários economistas, depois de dezenas de reuniões. Essa PEC parte de um pressuposto irrealista de que, ao passar a PEC, a gente volta  a ter crescimento. Isso é mentira. Pressupõe a fadinha da confiança. Isso é ideológico, não tem nenhum substrato histórico. Todos os países que aplicaram ajuste tiveram dificuldade de crescimento. O gasto público vai contribuir zero para o crescimento nos próximos anos. A PEC não é anticíclica, ela é contracionista, sempre estará puxando o crescimento para baixo. Vai exigir do setor privado muito mais, porque o setor público vai se contrair”.

Rossi diz também que a PEC impõe outro projeto de País, o do Estado mínimo: “Desconstrói o estado social que estamos construindo a partir da Constituição de 1988. É um projeto liberalizante, que impõe ao Congresso um determinado tipo de estruturação do Estado”.

A economista Laura Carvalho, professora do Departamento de Economia da FEA-USP e doutora pela New School for Social Research, esteve na Comissão de Assuntos Econômicos no Senado para discutir a implementação da PEC 241. Para ela, a proposta não cumpre nenhuma das funções a que se propõe: resolver a crise fiscal do País, estabilizar a dívida pública, controlar a inflação, retomar o crescimento e garantir maior eficiência na gestão de gastos.

Com relação à crise fiscal, Carvalho diz que a causa é queda de receita e não de despesas primárias – único objeto em discussão na PEC. Mais importante seria a volta da tributação sobre dividendos, extinta pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, o combate à sonegação, queda de juros, a revisão das desonerações e o aumento de investimentos públicos, diz ela. A queda de receitas seria explicada pela aguda crise econômica no País e pelas desonerações fiscais concedidas pelo governo. Quanto ao crescimento da dívida pública, a alta taxa de juros seria a principal culpada, já que muitos dos títulos são indexados à taxa SELIC.

Carvalho aponta ainda que a PEC não serve como ajuste fiscal a curto prazo, já que os valores das despesas são reajustados pela inflação do ano anterior. Com a inflação em queda, haverá um crescimento real das despesas por alguns anos.

A PEC tampouco agiria sobre o controle da inflação, já que mais de 40% dela em 2015 foi causada por reajuste de preços administrados, como combustíveis e energia elétrica. 

Quanto à retomada de crescimento econômico, para Carvalho, o ajuste fiscal implementado por Dilma Rousseff em 2015 foi muito mais agressivo do que o proposto pela PEC 241, a curto prazo, e mostrou que o corte de despesas não traz crescimento. Apesar dos indicadores de confiança em alta desde o impeachment, os dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores e o desemprego aumenta a cada mês, cenário que afasta investidores.

Carvalho diz também que a PEC 241 não garante maior eficiência nos gastos públicos, já que ainda haverá uma disputa orçamentária entre os setores, na qual quem detém poder político e econômico consegue reajustes maiores, comprometendo os outros investimentos.


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