Com menos de dois anos de idade já dava para sentir que minha grande paixão seria o veículo sobre duas rodas. Bem, é verdade que naquele momento, ainda usando fraldas, o bólido à disposição era um velocípede, com três pneus. Mas, como os velhotes de hoje em dia que andam em triciclos, eu também considerava minha viatura como sendo uma motocicleta. E foi também naquela época, a mais de meio século, que aprendi uma lição importante: as pessoas caem desses engenhos.

Meu primo Josezinho Carlos – o endiabrado – me empurrou do velocípede, também chamado naquela época de “tico-tico”. O resultado da queda foi um calombo em meu lábio inferior que perdurou até meados da adolescência. Mas isso não me impediu de subir em bicicletas e me tornar num aventureiro pelas ruas de São Paulo à bordo da magrela. Cheguei até a construir uma máquina quente, usando peças de ferro-velho. Não faltaram quedas e trombadas sensacionais, além de escoriações que deixaram marcas longevas. Mesmo assim, nunca esqueci minha paixão pelas duas rodas, que na verdade, eu sabia, era amor por motocicletas.

Nos anos 1970 meu pai – um motoqueiro enrustido e frustrado – comprou uma Honda CT 70. Trata-se daqueles veículos que são pilotados por símios pelos picadeiros de circos. Pequenas e automáticas as setentinhas eram apenas um degrau acima de meu velho tico-tico.

A motoca de papai era parecida com esta.
A motoca de papai era parecida com esta.

Mesmo assim, por noites incontáveis roubei a motoca da garagem do velho e saí pela Rua Augusta em busca de encrenca. O problema é que as encrencas andavam mais rápido do que meu bólido. Não fiquei nada parecido com Marlon Brando em “O Selvagem”, com sua Triunph TR5 (que os filisteus dizem enganadamente que era uma Harley Davidson. Esta foi a primeira vez que a marca de uma moto apareceu num filme sem que os produtores a encobrissem).

Marlon Brando em frame do filme "O Selvagem"
Marlon Brando em frame do filme “O Selvagem”

Já adulto, aquela tirana que invadiu meus domínios e tomou o poder, proibiu terminantemente a compra de uma motocicleta. A filha da tirana – também chamada de tiranete – engrossou o coro. E, oprimido, obedeci. Mas, numa rebeldia digna do Selvagem – ou consequência da senilidade – decidi dar o grito de independência. Decidí comprar uma moto. E a primeira providência foi entrar num curso de pilotagem – não apenas para tirar a carteira de habilitação, mas também para melhorar minhas habilidades.

Acho que o diabo do curso foi escrito por minha mulher, minha filha e minha sogra. Trata-se de três dias de guerra psicológica, onde os alunos são aterrorizados pelos professores. Toda desgraça que pode ocorreu a um incauto motoqueiro é revelado e repetido em ritmo semelhante à tortura do filme “A Laranja Mecânica”, onde a pessoa tem suas pálpebras abertas com pregadores e é obrigada a ver barbaridades. Pelo que fui informado, nem mesmo as pragas do Egito trazem menos tragédias do que andar de moto. Parece que o Capeta tem motocas no inferno e obriga os grandes pecadores a pilota-las no trânsito. Os piores destinos, nessa Terra ou nos domínios, do Tinhoso são reservados àqueles tiozinhos que como eu, passaram dos 50 anos e resolveram se locomover sobre duas rodas.

E eu que pensava que pilotar motocicleta fosse uma diversão. Afinal, até os macacos fazem isso nos circos e ninguém os vê na UTI do Hospital das Clínicas. Depois da auto-escola, acho que vou comprar um tênis macio e fazer apenas caminhadas pelo bairro.


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