Muito pinguim, algumas focas e aquecimento zero

A cabana que abrigou os náufragos na Antártica, durante nove meses, em 1903 – Foto: Luiza Villaméa
A cabana que abrigou os náufragos na Antártica, durante nove meses, em 1903 – Foto: Luiza Villaméa

Uma cabana de pedra resiste aos ventos cortantes de uma baía da Antártica desde fevereiro de 1903, quando foi construída. Nos nove meses seguintes, ela abrigou três náufragos de uma expedição científica liderada pelo geólogo sueco Otto Nordenskjöld: o arqueólogo Johan Gunnar Andersson, o cartógrafo Samuel Duse e o marinheiro Toralf Gruden.

Os três decidiram levantar a cabana devido à impossibilidade de caminhar em busca de socorro no continente branco, em especial porque o inverno se aproximava. Fotografei a cabana durante uma viagem de verão. Ela estava rodeada por neve e, embora o termômetro marcasse em torno de zero grau, a sensação era ainda mais gélida.

Símbolo das dificuldades enfrentadas pelos pioneiros da Antártica, a rústica construção encontra-se hoje ao lado da base argentina, na baía Esperanza, onde existem alojamentos bem aquecidos. No começo do século passado, quando Andersson, Duse e Gruden chegaram à região, havia água, neve, muito pinguim e algumas focas. E nenhum vestígio humano à vista.

Eles sobreviveram comendo carne de pinguim, preparada em óleo de foca. Ainda assim, o arqueólogo Andersson encontrou motivo para superar o desânimo que ameaçava o trio com o passar do tempo. “Tive a sorte de fazer uma descoberta”, relatou ele tempos depois. “Encontrei placas com magníficos fósseis da antiga flora, prensada pela neve.”

Em novembro de 1903, no começo do verão seguinte, os três náufragos conseguiram alcançar, a pé, uma casa de madeira pré-fabricada, trazida da Suécia, que havia sido montada logo que o grupo chegou à Antártica. Na base da expedição, já estava outra parte da tripulação do navio, que ficou preso para sempre nas geleiras.

Andersson, Duse e Gruden chegaram à base praticamente irreconhecíveis, com a pele enegrecida pela fumaça produzida na combustão do óleo de foca. De lá, todo o grupo foi resgatado, ainda em novembro, pela corveta argentina Uruguay. Dos 29 integrantes da expedição, só não voltou para casa o marinheiro Ole Wennesgaard, que tinha sucumbido a uma doença cardíaca em junho de 1903.

Andersson, Duse e Gruden logo depois que reencontraram os colegas de expedição – Foto: Reprodução
Andersson, Duse e Gruden logo depois que reencontraram os colegas de expedição – Foto: Reprodução

Apesar das intempéries, a Expedição Otto Nordenskjöld foi considerada um sucesso, por causa das descobertas científicas que registrou. Entre elas estão os fósseis encontrados perto da cabana de pedra pelo arqueólogo Andersson, aquele que se achou um sortudo mesmo sem saber se sobreviveria à Antártica.


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.