Como o Brasil de 2016 será lembrado em 2022, ano do bicentenário da Independência e do centenário da Semana de Arte Moderna? “Como o ano em que houve uma tentativa desastrada de golpe parlamentar”, aposta o compositor e maestro Jorge Antunes, professor da UnB (Universidade de Brasília). Ele, a diretora cultural da Fundação Darcy Ribeiro, Isa Grinspum Ferraz, os engenheiros Allen Habert e Pedro Celestino (presidente do Clube de Engenharia), e a economista Ceci Juruá participaram do seminário “Brasil 2022: o País que queremos”, organizado pela CNTU – Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados.
Esses especialistas se reuniram na manhã desta sexta-feira (1), no centro de São Paulo, para pensar os rumos da soberania e cultura brasileiras em 2022. Primeiro a falar, o engenheiro Allen Hapert, diretor da CNTU, lembrou que a concepção da nação que conhecemos hoje, inaugurada na Semana Moderna de 1922, chega a 2016 em meio a “duas placas tectônicas”, representadas pelo capitalismo selvagem, de um lado, e do inclusivo, de outro. “E a [operação] Lava Jato mostra que vivemos essa transição.”
Para Hapert, chegou a hora de o brasileiro decidir se concorda com “esse cassino internacional que virou o Brasil, onde não é mais importante a produção do que o swap cambial”. Para o especialista, o afastamento da presidenta Dilma Rousseff em favor de Michel Temer representou “uma quebra do contrato social feito em 1988”, que tinha por missão “horizontalizar a área social” com recursos crescentes. “Por que um país com essa força não tem dinheiro para o social? Temos de explicar isso.”
Ao tomar a palavra, a economista Ceci Juruá lembrou que muito do que que estaria por trás do impeachment é um misto de estabilidade e instabilidade. “São os mesmos que dominam a política nos últimos 200 anos. O grande empresariado e, em algumas ocasiões, as forças armadas, igreja e imprensa. Eles vêm e volta.” Por outro lado, o Brasil viveria instabilidade no regime político. “Tivemos monarquia, república, presidencialismo e temos distintas modalidade de voto. Essa instabilidade se manifesta hoje. Vivemos um momento de choque entre Legislativo e Executivo, que não é novo em nossa historia. Com exceção da República Velha, foram mais de 30 golpes de Estados em 130 anos, nem sempre com vitória.”
Para aprofundar sua ideia, ela citou o sociólogo Florestan Fernandes. Ele dizia que daqui por diante não é possível governar dependendo da conciliação entre conservadores e liberais. “Já não podemos mais fazer uma revolução democrática apenas em corpo de ideias, como imaginam os letrados. A revolução que queremos, com igualdade e direitos para todos, dependerá de sabermos associar os interesses do capital e do trabalho. Será social e para todos ou não será democracia”, disse.
Pedro Celestino, do Clube de Engenharia, disse que o exercício dessa democracia passa pela da defesa da indústria nacional, seriamente comprometida com o governo interino. “O que se quer é abrir o Brasil à concorrência predatória.” Ele alertou que não se trata de “uma visão xenófoba”, mas da obrigação de se defender o patrimônio nacional. “Temos de resistir ao desmonte do nosso País.”
É sobre soberania e participação popular que tratou a fala do maestro Jorge Antunes. Ele descreveu sua batalha na década de 1980 para conseguir mudar a letra do hino nacional, que sintetizaria ideias envelhecidas, em tom e palavras que afastam a população de seus interesses em louvor a valores positivistas.
Ele contou que abandonou sua ideia depois de receber uma carta anônima com o recorte de um artigo de jornal de um membro do exército pedindo vigilância ao compositor “subversivo”. “Faz sentido temos uma mensagem positivista na bandeira? Folhas de café no brasão?”, questiona. Para o compositor, essa distância do brasileiro e de seus símbolos precisa ser revista em 2022, ano em que o País, como na Semana de Arte, refletirá sobre si mesmo. Quando olhar para trás, no entanto, saberá o que pensar sobre o Brasil de 2016: “Será lembrado pela desastrada tentativa de golpe parlamentar. 2022 será a discussão da nossa identidade. Será o momento de restabelecermos nossos símbolos.”
Socióloga e cineasta, a diretora cultural da Fundação Darcy Ribeiro, Isa Grinspum Ferraz, usou sua fala para recordar a trajetória da Darcy Ribeiro, “um brasileiro sem complexo de inferioridade”.
Ela contou como Ribeiro foi umas das grandes mentes de sua geração – nasceu também em 1922 – a construir um projeto de Brasil implodido pelo golpe civil-militar de 1964. “Os anos de chumbo deixaram marcas profundas na cultura e educação brasileiras. As gerações que vieram em seguida ignoram esses esforços do passado e desconhecem Darcy Ribeiro”, lamentou.
De acordo com Isa, as obras de Darcy Ribeiro “nos fazem refletir sobre criar de forma livre, descolonizada”. “Ele dizia: ‘O Brasil não tem nenhum bezerro, cabrito, um frango abandonado. Mas tem milhões de crianças abandonadas.’”
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