Estação de bombeamento do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco. Foto: Divulgação/Ministério da Integração Nacional
Estação de bombeamento do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco. Foto: Divulgação/Ministério da Integração Nacional

Projeto de Transposição da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional. Com nome tão extenso quanto o território que percorrerá e mais de 80% de suas obras concluídas, o maior projeto de infraestrutura de abastecimento hídrico brasileiro, conhecido como Transposição do Rio São Francisco, se aproxima da reta final. Colossais são também as ambições sociais e as cifras que o projeto movimenta. Depois de encerrada, segundo dados do Ministério da Integração Nacional, a transposição deve atender a cerca de 12 milhões de brasileiros e levar água potável para o consumo de agricultores e famílias em 401 municípios dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Para tanto, a construção envolve gastos que hoje ultrapassam os R$ 8 bilhões, e um contingente humano de mais de dez mil funcionários atuando em 622 quilômetros de extensão.

A integração do Velho Chico está dividida em dois trechos. O primeiro, intitulado Eixo Norte, atravessa quatro estados, a partir do município de Cabrobó (PE), passando por Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e cobre uma extensão de 402 quilômetros, por meio de 12 barragens, que proverão um armazenamento de 56 milhões de metros cúbicos, possibilitando beneficiar 7,5 milhões de habitantes, através de ramais de distribuição que devem abastecer 232 municípios dos quatro estados.

Já o Eixo Leste nasce em Pernambuco, no município de Floresta, na represa de Itaparica, e vai até a Paraíba. Com extensão de 220 quilômetros, contando com 16 barragens e capacidade de 910 milhões de metros cúbicos da água armazenados, o Eixo Norte beneficiará 4,5 milhões de pessoas, por meio de dois grandes ramais e diversas adutoras que abastecerão 169 municípios, chegando até o rio Paraíba.

Com apenas 3% das águas doces brasileiras, o Nordeste do País tem na seca um problema secular. Com seus 2.800 quilômetros de extensão, o Velho Chico detém 63% dos recursos hídricos da região, sendo poucas as alternativas de solução imagináveis para a questão da estiagem crônica que não passem por desviar suas águas.

O projeto prevê o uso de apenas 1,4% da vazão das águas do rio São Francisco, por meio de canais, túneis e estações de bombeamento. Segundo a assessoria de comunicação do Ministério da Integração Nacional, o porcentual “representa cerca de duas colheres de sopa para cada litro d’água despejado no mar. Na cheia, a captação pode chegar a 127 metros cúbicos por segundo, sem prejudicar o rio”.

O ambicioso projeto deveria representar esperança para a população local que, há décadas, convive com o problema da seca no semiárido, mas gera polêmica desde que foi desenvolvido em 2003 e posto em prática em 2006. Os custos iniciais saltaram dos cerca de R$ 4,5 bilhões para os atuais R$ 8,2 bilhões. A conclusão do projeto, no início, prometida para 2015, deve ocorrer no início de 2017. Embora conte com uma série de ações sustentáveis, durante e após a conclusão dos trabalhos, que visam reduzir ao máximo o impacto socioambiental na região, a obra tem sido alvo de críticas de ambientalistas e defensores dos direitos das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, como o bispo da Diocese de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, que, no início das obras, chegou a fazer duas greves de fome contra a transposição das águas do Velho Chico. Cappio, assim como outros ativistas contrários à obra, defende que o prejuízo em relação às matas ciliares da região e à fauna marinha e, principalmente, o desrespeito aos grupos tradicionais, além da expulsão de proprietários ribeirinhos, com a perda das terras vizinhas aos canais, não compensam os benefícios esperados pelo projeto.

É também o que defende a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro), entidade que reúne organizações da sociedade civil em defesa do semiárido. Segundo manifesto assinado pela organização, que se coloca contra o projeto, “a Transposição do São Francisco passa por cima de comunidades indígenas, de agricultura familiar, favorece em grande parte os grandes produtores e, ao contrário de democratizar a água, a concentra”. Como alternativa, a ASA defende a eficácia do Programa Um Milhão de Cisternas, iniciado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.

A assessoria do Ministério da Integração Nacional rebate. “A água do Projeto de Integração do Rio São Francisco é destinada prioritariamente para o abastecimento humano e animal, conforme outorga da Agência Nacional de Águas (ANA). A obra é garantia de segurança hídrica para a população.”

No que diz respeito aos atrasos, o ministério argumenta. “A obra é semelhante a outras transposições no mundo, como na China, na Espanha e no Egito, onde a conclusão dos empreendimentos foi superior a dez anos. Por ser uma obra linear, o projeto passa por diferentes ambientes geológicos, geomorfológicos e interfere em estruturas já existentes, o que exige constante análise e acompanhamento”.

Arte/Brasileiros
Arte/Brasileiros

 

Uma solução secular
A transposição das águas do rio São Francisco não é exatamente uma ideia nova. Ela foi idealizada e ressuscitada em vários momentos da história do País.

Em 1847, a transposição foi apresentada pelo engenheiro cearense Marcos de Macedo ao imperador Dom Pedro II como solução para os problemas da seca que atingia o Nordeste. Depois, em 1856, o Barão de Capanema e o engenheiro Tristão Franklin Alencar, em 1886, indicaram a abertura de um canal ligando o rio São Francisco ao rio Jaguaribe, ambos os projetos arquivados. A transposição foi novamente estudada no início do período republicano (1889 e 1919), nos governos de Getúlio Vargas (1930-1945, 1951-1954), do general João Baptista Figueiredo (1979-1985), de Itamar Franco (1992-1995) e nas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No entanto, o projeto somente foi colocado em prática no término do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006. Entre os diversos motivos para que o projeto não fosse levado adiante ao longo da história destacam-se a falta de recursos financeiros, dificuldades técnicas e vontade política, além da resistência de parte da sociedade. Praticamente os mesmos que, ainda hoje, alimentam as críticas dos que se opõem a transposição do Velho Chico. 

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