Protetora do pavilhão

A caráter  - Joana Aparecida Barros avisa que, sem a saia típica das baianas, não tem nem ensaio. Foto: Luiza Sigulem
A caráter – Joana Aparecida Barros avisa que, sem a saia típica das baianas, não tem nem ensaio. Foto: Luiza Sigulem

Joana Aparecida Barros coordena as baianas da Vai Vai, tradicional escola de samba do bairro do Bixiga, no centro de São Paulo, há 16 anos. Antes foram quatro de baiana e dez por outras alas. Nesse tempo de gestão, fez mudanças significativas para o grupo. “Na minha época, foi difícil entrar para a ala porque eu tinha 40 e poucos e a diretoria queria mulheres mais velhas. Hoje, a idade não é mais um impedimento por que precisamos evoluir.”

Proprietária de 80 roupas de baiana, guardadas em sua casa no mesmo Bixiga, Joana explica que as baianas são as protetoras espirituais de toda a escola. “Nós pegamos todo o mal externo, por isso somos chamadas de mães do samba.”

Espírita, frequentadora do candomblé, Joana diz ser filha de Xangô, o orixá da justiça, dos raios, do trovão e do fogo, e de Oxum, a rainha das águas doces, dos rios e cachoeiras, da riqueza, do amor, da prosperidade e da beleza. Por isso, está contente com o samba enredo de sua escola, No Xirê do Anhembi, a Oxum mais Bonita Surgiu, Menininha Mãe da Bahia, Ialorixá do Brasil, que homenageia a mãe de santo Menininha do Gantois, que morreu há 30 anos.

Joana, que foi cozinheira em casa de família e fez muito arroz com feijão para o povo do pavilhão dos carros alegóricos da Vai Vai, é mãe de duas filhas e avó de sete netos. Divorciada, mantém sua barraca de macarrão nos arredores da escola, que também comanda com a ajuda das filhas. A seguir, ela, que acaba de descolorir o cabelo bem curtinho, conta por que sente tanto orgulho de ser chefe das baianas da escola que lidera a lista das campeãs do Carnaval de São Paulo.

Brasileiros – Quantos anos de Vai a Vai a senhora tem?
Joana Aparecida Barros – Tenho 30 anos de escola e 30 anos de Bixiga. Nasci na Liberdade, mas vim para cá depois e nunca mais saí. Minhas duas filhas cresceram aqui, mas nasceram na Liberdade. Essa escola é minha paixão, é como se fosse também a minha família. Eu sou Vai Vai até morrer.

Sempre esteve na ala das baianas?
Não. Durante um bom tempo, saí em outras alas. Na das baianas, estou há 20 anos, sendo que sou chefe de ala há 16.

O que significa ser chefe dessa ala?
Eu ajudo nossa diretora a fazer as coisas, como a escolha dos tecidos para as roupas, o desenho delas. Quem decide é ela, que se chama Janaína DeCarli, é uma mulher pequena, você precisa conhecer, mas grande, forte. Também ensaio as baianas, ensinando como dançar. Penso nos lugares que cada uma vai ocupar na avenida e, para isso, tenho a ajuda de dois chefes da harmonia. A gente vê quem não está bem, quem está no ritmo, como anda o comportamento de cada uma delas.

Tem um padrão de dança específico?
Tem, sim. Precisamos mexer os braços, sorrir e dançar ao mesmo tempo e no ritmo do samba. A gente até fez uma coreografia para este ano, mas o presidente, Darli da Silva, e Janaína acharam que não valia a pena porque ficaríamos muito cansadas.

O que uma mulher precisa ter para entrar nessa ala?
A idade não importa mais, mas a disciplina continua bastante rígida. Não aceitamos que nenhuma baiana tome bebida alcoólica ou fique no bar. Também não é permitido entrar no pavilhão de bermudinha, saia curta. Precisa estar vestida de baiana. Tem um monte de não pode na nossa ala. Precisamos respeitar os pavilhões e isso significa que não podemos entrar sem a bermuda branca debaixo da saia. Às vezes, a gente está com a cabeça confusa e coloca uma bermuda de outra cor, achando que ninguém vai notar. Mas nota. Outra coisa é que precisamos sempre ensaiar com a bermuda debaixo da saia, porque rodamos muito, e usar os colares. No meu tempo, a gente não podia nem fumar quando estava vestida de baiana. Eu não me incomodo se quer fumar, desde que não incomode e não queime ninguém, a roupa de ninguém, nem a própria, que é sempre grande, rodada, cheia de panos.

Há baianas novas? Qual é a mais velha e a mais nova?
A mais velha é Célia, acho que tem 80 anos de idade e 45 de Vai Vai. A mais nova é a Leticia, que tem uns 30 anos. Quando eu entrei para a escola, tinha uns 30 anos. Dez anos depois, quis entrar para a ala das baianas e foi uma discussão porque a diretoria queria mulheres mais velhas. Mas, na minha coordenação, acredito que a gente precisa evoluir em tudo. Por isso aceito baiana com 20 anos, desde que ela cumpra as nossas exigências. Aceito mulheres jovens porque, daqui a pouco, a gente não vai aguentar mais fazer as coisas. A Célia, por exemplo, sempre desfilou no chão, mas neste ano vai sair em um dos carros alegóricos porque ela tem problema de respiração e fica cansada. A gente precisa poupá-la. Nós nos preocupamos com todas as mulheres.

Como será a roupa deste ano?
Vamos vestir branco. Escolhi o tecido e pedi para fazer o piloto. Janaína deu o ok. As baianas não pagam nada, tudo é o presidente da escola que dá para a gente. A roupa, a sandália, a bermuda. Mesmo quando a gente precisa pagar alguma coisa, ainda que pequena, o presidente quer saber para não pesar para ninguém. Este ano, vamos usar um pano de costas com o rosto da Mãe Menininha e essa peça foi dada pelo presidente, que eu amo muito, para todas as baianas da ala.

Quantas baianas são?
Seremos 75 na avenida. Nossa roupa é muito grande, pesada. Mas é um peso que a gente suporta porque na hora do desfile nós ficamos tão envolvidas que acabamos esquecendo o peso da roupa.

Quanto pesa a roupa?
A peça-piloto que eu provei estava com 15 quilos. Mas Janaína vai diminuir para uns oito para que a gente possa desfilar com mais conforto. O chapéu também estava incomodando. Então, daqui até o desfile, tem coisas a serem ajustadas.

Qual a importância da ala das baianas?
Ela não conta pontos, mas desconta. Uma escola que entra sem as baianas já entra arrebentada. Nós fazemos a abertura dos pavilhões, montamos uma roda onde todos dançam ali no meio. As baianas pegam todo o mal-estar externo para proteger o pavilhão. Somos as protetoras da escola. Por isso chamam a gente de mães do samba. Carregamos essa energia. Aqui tem baiana de várias religiões, católica, espírita, evangélica.

A senhora é de qual religião?
Sou espírita, frequento o candomblé. Tem o pai Francisco, pai de santo, que cuida da Vai Vai. Eu não sou mãe de santo, mas acredito que esta vida é uma passagem. Para mim, cantar Mãe Menininha e os orixás é uma honra. Estou torcendo muito para a gente ganhar mais uma estrela.

Quais são seus orixás?
Meu Xangô é de frente, ele é velho. E sou oxum também. Por isso sou muito chorona e adoro a cor amarela.


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