“Contexto interrompido” ajuda a explicar turbilhão de emoções após traumas

Imagine que você encontra um leão no zoológico e outro no quintal da sua casa. Provavelmente, sua reação vai ser diferente em cada situação. Em uma delas, você pode até se divertir; na outra, possível que saia correndo. E o que cria essa diferença de resposta? O contexto, diz pesquisa. No zoológico, o leão está em um ambiente fechado e controlado; e no quintal, bem, tudo pode acontecer…

Reagir a partir de contextos parece natural para muitos de nós, mas artigo publicado na Neuron mostra que, para aqueles que sofrem de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), há uma disfunção em circuitos cerebrais que controlam esses contextos, a depender do estímulo. O texto foi escrito por professores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que estudam os mecanismos do transtorno há décadas.

 As células nervosas do cérebro se comunicam. Imagem: ingimage
Cérebro cria uma narrativa interna e um cheiro pode ser gatilho para reviver experiências traumáticas. Foto ilustrativa/Ingimage

O TEPT é um conjunto de sintomas físicos e emocionais que ocorrem em resposta a um trauma. Eles podem levar à perda da qualidade de vida e da saúde – com isolamento social e depressão. Uma das principais características do transtorno é que, ao se lembrar do fato ou ser exposta a um estímulo (o bater de uma porta ou cheiro, por exemplo), a pessoa revive o trauma com sofrimento similar ao momento em que ele ocorreu.  

No estudo da Neuron, pesquisadores explicam que pessoas com TEPT sofrem de “processamento de contexto interrompido”. Isso significa que, ao contrário de pessoas saudáveis, elas reagem ao estímulo – e não necessariamente ao contexto.

Pacientes desenvolvem resposta de medo mesmo quando o contexto é muito seguro. Grosso modo, isso as levaria, por exemplo, a sentirem medo do leão mesmo que ele estivesse no zoológico. 

O mecanismo faz com que essas pessoas deixem de responder a contextos. Elas deixam de reconhecer que um estímulo em particular exige respostas diferentes a depender do contexto em que se encontram.

No cérebro, esse processamento de contextos está vinculado ao trio hipocampo (processa memória), amígdala (processa emoções como o medo) e o córtex pré-frontal (processa pensamento complexo e tomada de decisões). Ou seja, é uma reação muito complexa que requer abordagens sofisticadas de pesquisa e tratamento.

Ciência luta para explicar o fenômeno

Cientistas de Michigan esperam que, com o artigo, outros pesquisadores de diversas áreas se interessem pelo complexo mecanismo da doença. Eles descrevem que há muitas hipóteses e modelos, mas muitos ainda incompletos para explicar os vários sintomas observados.

O primeiro modelo usado para explicar o transtorno está enraizado na amígdala – região do cérebro que processa nossas respostas a ameaças (fuja) ou a ambientes seguros (fique ou lute). Este modelo surgiu de trabalho sobre o condicionamento do medo, mas não explica, por exemplo, esse “processamento inadequado de contextos”.

Um outro modelo, centrado no córtex pré-frontal (que processa informações complexas), tentou explicar que o TEPT ocorre por uma disfunção nessa região.

Para os pesquisadores, cientistas têm encontrado coisas diferentes – dependendo de para onde olham – e é preciso olhar para essas regiões do cérebro tendo a ideia da disfunção do contexto em mente.

Também esse contexto, dizem, não são só sobre informações do entorno, mas cada paciente pode desenvolver um contexto próprio, formado por emoções e memórias.

O cérebro impõe um contexto “interno” – aquele que sempre espera o perigo – em cada situação. Pesquisadores esperam que pesquisas sejam desenvolvidas com esse olhar.

Hoje, o tratamento para o transtorno é feito com medicamentos (quando necessário) e terapia cognitivo comportamental (corrente que trabalha na tentativa de trazer o contexto correto para estímulos eventualmente associados ao evento traumático).


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